Em maio, o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos provocou uma onda de protestos (tanto de ativistas negros como de pessoas brancas) contra o uso excessivo de violência policial contra negros . O caso — assim como outros dos últimos anos, como os assassinatos de Eric Garner e Michael Brown — deixou claro que a população negra, nos EUA, ainda é tratada com mais violência pela polícia do que a população branca.
Essa é uma das desigualdades que o movimento Black Lives Matter combate. A organização tem o objetivo de eliminar a violência de estado contra os negros. Trata-se de um movimento político que tem por trás de si quase dois séculos de lutas de ativistas negros contra escravidão e outras formas de opressão, como as leis discriminatórias e desigualdade social.
E toda essa mobilização não é apenas fruto de experiências pessoais, mas também de muito estudo sobre a sociedade. Para recuperar um pouco desses estudos, dessas experiências e desse debate — que segue sendo essencial ainda nos dias de hoje — listamos a seguir seis ativistas negros essenciais na história dessa mobilização. E citamos também sua formação acadêmica, que impactou significativamente, em muitos casos, a sua atuação política. Confira:
7 ativistas negros que você precisa conhecer
W. E. B. Du Bois
Um dos principais ativistas negros do século 19 e do começo do ´seculo 20, William Edward Burghardt Du Bois nasceu em 1868 no estado de Massachusetts, nos EUA. Ele fez sua graduação na Fisk University, uma “historically black university” no Tennessee, e lá teve seu primeiro contato com o racismo do sul dos Estados Unidos.
Depois, foi para Harvard, onde fez novamente a graduação, já que a instituição não reconheceu seus créditos da Fisk University. Fez mestrado com bolsa na Universidade de Berlin e depois voltou para Harvard, tornando-se o primeiro homem negro a conquistar um doutorado da instituição.
W. E. B. Du Bois é mais conehcido atualmente por ter sido um dos fundadores da National Association for the Advancement of People of Color (NAACP) em 1909. A organização, até hoje, é um dos principais movimentos que luta pelos direitos do povo negro dos EUA. A fundação da NAACP foi apenas um dos aspectos da luta de Du Bois por direitos; ao longo de sua vida, ele combateu as leis de segragação dos Estados Unidos e a discriminação racial.
Faleceu em 1963, um ano antes da aprovação da Lei de Direitos Civis dos EUA, que incorporava várias medidas pelas quais ele lutou a vida toda, e ainda hoje é lembrado como um dos maiores sociólogos, historiadores e ativistas do país.
Rosa Parks
Rosa Louise Parks é conhecida como uma das “mães” do movimento de direitos civis dos Estados Unidos. Ela é lembrada principalmente por sua recusa a ceder seu assento no ônibus a um passageiro branco em dezembro de 1955 na cidade de Montgomery, no Alabama. Sua atitude fez com que ela fosse presa, e gerou uma onda de protestos no país inteiro que, mais tarde, levaria a mudanças radicais nas leis de segregação do país.
Ela nasceu em 1913, e estudou em diversas escolas até que, no ensino médio, entrou na Alabama State Teacher’s College High School, a instituição de ensino médio vinculada à Alabama State University. No entanto, ela não chegou a se formar naquele momento, porque precisou cuidar primeiro de sua avó, depois de sua mãe, que ficaram doente. Ela só receberia o diploma do ensino médio em 1934.
Ao longo da década de 30, ela começou a atuar como ativista pela NAACP. Além de ativista, ela trabalhou como secretária e liderançã jovem da associação. No momento em que foi presa, ela se preparava para organizar uma conferência de jovens da NAACP. Após sua prisão, a população negra de Montgomery boicotou os ônibus da cidade por mais de um ano, o que foi um dos primeiros exemplos de ação direta no movimento de direitos civis.
Embora não tivesse feito graduação, ao longo de sua vida, por seu ativismo, Rosa Parks recebeu quarenta e três títulos de doutorado honorários. Os títulos foram concedidos por universidades como a Florida State University e até a Soka University, no Japão. A Troy State University, na cidade de Montgomery, atualmente tem uma Biblioteca Rosa Parks em sua memória. Ela faleceu em outubro de 2005, aos 92 anos.
Martin Luther King Jr.
Martin Luther King Jr. foi o vencedor do prêmio Nobel da paz de 1964 por seu trabalho em prol do movimento de direitos civis dos Estados Unidos. Ele também foi um dos líderes que organizou o boicote a ônibus na cidade de Montgomery após a prisão de Rosa Parks, e além de lutar contra a segregação e discriminação racial dos negros nos EUA, também se opôs à Guerra do Vietnã. Isso fez com que o FBI passasse a investigá-lo por possíveis ligações comunistas e, em 1964, enviassem a ele uma ameaça na forma de uma carta anônima.
Filho de um reverendo cristão, ele nasceu em 15 de janeiro de 1929 na cidade de Atlanta, no estado da Georgia. Fez o ensino médio na Booker T. Washington High School, que era a única escola da região que aceitava alunos negros, e depois se graduou na Morehouse College, uma das mais respeitavas faculdades historicamente negras dos EUA.
Em 1957, junto com outros proeminentes ativistas negros, Martin Luther King Jr. fundou a Southern Christian Leadership Conference. A organização, que teve um papel proeminente na luta por direitos civis nos EUA, existe até hoje, e foi liderada por King durante toda a vida dele. Ela promove formas de protesto pacífico contra desigualdade e discriminação racial até hoje.
Aos 39 anos de idade, em 1968, King foi assassinado em Memphis, cidade que visitou para apoiar uma greve de trabalhadores negros que lutavam por melhores salários e tratamento igualitário dos trabalhadores brancos.
Shirley Chisholm
Shirley Chisholm foi a primeira mulher negra a ser eleita para o Congresso dos EUA, num cargo que equivale ao de deputados federais no Brasil, em 1969. Filha de imigrantes caribenhos, ela nasceu em 1924 no Brooklyn, e estudou na Girl’s High School da cidade começando em 1939.
Após concluir o ensino médio, ela entrou no Brooklyn College, onde se formou em 1946 conquistando o título de bachelor of the arts e ganhando prêmios por suas habilidades de debate. Concluindo o ensino superior, ela começou a trabalhar como educadora infantil, e mais tarde conquistou um mestrado do Teacher’s College da Universidade Columbia, concluindo-o em 1952.
A partir de 1953, ela se tornou diretora de creches, e em 1959 se tornou consultora educacional da divisão de creches do Brooklyn. Essa experiência despertou seu interesse na política, já que ela precisava lutar pelo investimento público no bem-estar das crianças de sua comunidade. Em 1964, ela se tornou deputada da assembleia estadual de Nova York, um cargo semelhante ao de um deputado estadual no Brasil, e elegeu-se para o congresso em 1969.
No congresso, Chisholm lutou para ampliar o acesso de crianças pobres a alimentação, e também militou em favor de leis de salário mínimo e se opôs à guerra do Vietnã. Em 1972, ela também se tornou a primeira mulher negra a disputar a nomeação do Partido Democrata dos EUA para a presidência. Após sair do congresso dos EUA em 1982, ela continuou sua carreira em educação infantil até seu falecimento em 2005.
Huey Newton
Huey Newton foi um dos fundadores do Partido das Panteras Negras em outubro de 1966. O partido de ativistas negros, fortemente influenciado pelas ideias de Malcolm X, se caracterizava pela oposição às abordagens pacíficas de Martin Luther King Jr., por exemplo.
Seus membros consideravam que a população negra tinha o direito de autodefesa contra o racismo dos brancos. Ao longo da década de 60, eles realizaram diversas ações em prol das comunidades negras, incluindo distribuição de refeições, estabelecimento de clínicas médicas, ônibus para parentes de negros encarcerados e cooperativas habitacionais.
Newton nasceu em 1942 na cidade de Monroe em Louisiana, uma cidade com histórico de violência racista. Por causa dessa violência, sua família se mudou para Oakland, na California. Lá, ele se formou na Oakland Technical High School, e depois entrou na Merritt College, uma community college da cidade, formando-se em 1966. Em seguida, estudou Direito na University of California at Santa Cruz, e seguiria estudando até completar o doutorado lá em 1980.
Junto com Bobby Seal, que ele conheceu no Merritt College, ele fundo o partido dos Panteras Negras e elaborou um programa de dez pontos que servia de diretriz para os membros do partido. Parte de sua atuação envolvia dar um caráter político às atividades das comunidades negras, para ajudá-las a se organizar em favor de seus direitos. Newton foi assassinado em 1989.
Elaine Brown
De 1974 a 1977, Elaine Brown foi a diretora do Partido das Panteras Negras — e foi a única mulher a exercer esse cargo. Como diretora, ela gerenciou a campanha eleitoral pela qual Lionel Wilson se tornou o primeiro prefeito negro da cidade de Oakland, e desenvolveu a Panther’s Liberation School, que foi reconhecida pelo estado da Californa como uma escola modelo.
Em 1977, ela saiu do partido e mudou-se para Los Angeles, onde continuou militando a favor de causas como a reforma do sistema prisional dos Estados Unidos e a ampliação do acesso à educação para crianças negras pobres. Parte de seu ativismo é feito por meio de aulas em universidades — desde 1995, ela já lecionou ou deu palestras em mais de 40 faculdades, universidades e conferências.
Brown se formou na Philadelphia High School for Girls no ensino médio e, em seguida, foi para a University of California, Los Angeles, em 1968. Também nesse ano, após o assassinato de Martin Luther King Jr, ela frequentou seu primeiro encontro do Partido das Panteras Negras.
Mais tarde, para continuar lutando pela reforma do sistema penal estadunidense, ela estudou na escola de Direito da Southwestern University de 19080 a 1983. atualmente, ela segue atuando nessa frente, e mora na cidade de Oakland, na Califórnia.
Abdias Nascimento
O brasileiro Abdias do Nascimento é considerado um dos principais formuladores e expoentes da cultura negra no mundo. Um dos principais ativistas negros brasileiros do século 20, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 2010. Ele nasceu em Franca, no estado de São Paulo, em 1914, neto de escravos. De família pobre, concluiu o segundo grau e mais tarde se formaria em Economia pela Universidade do Rio de Janeiro, em 1938.
Sua grande área de atuação, porém, é o teatro e o ativismo. Em 1944 ele fundou o Teatro Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro, que denunciou o racismo nos palcos brasileiros (que ainda usava atores brancos com caras pintadas de preto para interpretar personagens negros). O TEN lutou ainda pela valorização dos direitos civis dos negros, pela valorização da cultura africana e pela criminalização da discriminação racial.
Em 1969, perseguido pela ditidura militar, foi para Estados Unidos. Já tinha contatos lá, por articular sua atuação política com os movimentos por direitos civis do país. Lecionou em universidades como Yale e Wesleyan, e foi por 10 anos rofessor titular da State University of New York (SUNY). Voltaria ao Brasil apenas em 1978, após passar por Jamaica, Tanzânia, Senegal, Colômbia e Panamá.
Fundou em 1981 o Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros) e trabalhou na fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT), pelo qual mais tarde se elegeria senador — em 2013, o Senado criaria uma comenda em sua homenagem. Faleceu em 2011, aos 97 anos, com títulos de doutor honoris causa de quatro universidades públicas brasileiras e da Universidade Obafemi Awolowo, na Nigéria.