O Mahindra United World College India (MUWCI) é um lugar onde todas as calculadoras são comunitárias, sempre cabe mais um embaixo do guarda-chuva e, precisando de qualquer coisa, é só pedir ajuda que vai aparecer alguém 100% disposto a ajudar
Era horário de almoço na quarta-feira da primeira semana das finals (as provas de fim de ano) e o refeitório estava cheio. Apesar do cansaço de fim de semestre e das longas noites de estudo, a conversa em minha mesa estava animada, e os assuntos iam desde a preparação para as provas dos dias seguintes (ou, talvez, a falta de preparação) até a etiqueta em torno do uso de talheres ao redor do mundo. Quando terminávamos de comer, ouvi uma aluna do segundo ano dizer “Now I’m just going to have a cup of coffee...”. Perguntei se ela ia tomar o café do refeitório e, ao ouvir o desanimado “I guess I’ll have to…“, imediatamente senti as dores dela – os alunos brincam que o refeitório não serve café, mas sim “chá de terra”. Lembrei que ainda sobrava bastante café moído que eu tinha trazido do Brasil e perguntei se ela queria um pouco. Ela aceitou e, depois de se maravilhar com o coador de café com filtro de papel (a maioria dos alunos usa a prensa francesa), me contou que tinha muita bagagem e precisava abrir mão de algumas coisas, e então me ofereceu a cafeteira italiana dela.
A anedota pode até ser boba, mas retrata muito bem vários aspectos da vida no colégio. O fascínio dela (e aliás, não só dela) pelo brasileiríssimo coador de café, por exemplo: eu nunca nem havia pensado em fazer café de outra maneira e para mim isso sempre havia sido perfeitamente simples e natural. Mas, chegando ao colégio, a reação dos outros me fazia sentir como se eu operasse um mecanismo completamente extraterrestre. Da mesma maneira, eu nunca havia visto uma prensa francesa, e não tinha ideia de o que fazer com uma cafeteira italiana na mão. São as diferenças culturais se manifestando nesses minúsculos detalhes do dia a dia que dão um gostinho especial à vida no colégio e nos lembram sempre do riquíssimo ambiente no qual estamos, onde as maiores lições se aprendem tomando um cafezinho com os colegas de classe.
Apesar das diferenças, o que realmente marca é o espírito de união entre toda a comunidade do colégio. A vivência cria um sentimento de família em torno de todos nós!
O Mahindra United World College India (MUWCI) é um lugar onde todas as calculadoras são comunitárias, sempre cabe mais um embaixo do guarda-chuva e, precisando de qualquer coisa, é só pedir ajuda que vai aparecer alguém 100% disposto a ajudar. O café brasileiro, por exemplo, acabou ficando famoso no colégio (admito que um pouco por causa da minha própria propaganda cheia de orgulho pelo país), e durante as finals week eu perdi a conta de quantas vezes me perguntaram “Can I drop by your room later tonight to get some coffee (algo como: “poderia passar no seu quarto mais tarde para pegar um pouco de café?”).
Essa atitude de familiaridade é a norma, e você sempre tem a certeza de que não vão te deixar na mão nem mesmo nos tempos mais sombrios, quando todo mundo está perdendo a cabeça (leia-se: época de época de provas finais). Aliás, é nessas horas que a união é mais visível: os alunos tomam conta das salas de aula e as transformam em study rooms coletivas super aconchegantes, onde todo mundo estuda junto se ajudando e compartilhando canecas de chá.
Fora isso, uma tradição do colégio ainda dita que todos os alunos de primeiro ano devem escolher um aluno de segundo ano e ir fazendo pequenos agrados pelas últimas semanas, para eles sobreviverem às provas de fim de curso. O colégio fica tomado por chocolatinhos-surpresa, mensagens de carinho e motivação, e todo tipo de ação mais criativa.
Aqui você sempre vai encontrar alguém pronto para te preparar uma xícara de café quando você mais precisar
Ao final do ano, é tempo de os alunos de 2º ano recém-formados passarem adiante presentes para os alunos de primeiro ano, como a cafeteira italiana, ou talvez um violão, um tripé, uma rede… qualquer coisa! Em qualquer canto do campus, é fácil encontrar geladeiras marcadas com uma série de nomes seguidos de anos, listando exatamente todas as mãos de alunos e ex-alunos pelas quais a geladeira passou. Não importa o quanto o eletrodoméstico esteja caindo aos pedaços: se está marcada com uma lista de seis nomes de gente de todo canto do mundo que esteve ali, no seu lugar nos anos anteriores, é impossível não ter a certeza de que aquela tralha é como um tesouro.
Coisas assim deixam bem claro que a comunidade é sim uma família, e uma família que inclusive transgride não só as barreiras espaciais, já que inclui gente de todo o mundo, como também temporais, unindo alunos e ex-alunos separados por anos.
Sim, é a união que encontramos nas pequenas e grandes diferenças que torna a vida em comunidade tão especial. No final, aqui, você sempre vai encontrar alguém pronto para te preparar uma xícara de café quando você mais precisar – seja em coador, cafeteira italiana ou prensa francesa.
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O paulistano Lucas Sato, de 16 anos, teve uma educação primária baseada em muita história em quadrinhos. Assim, aos seis anos tomou gosto pelas letras e começou a escrever por hobby. Costuma brincar que é “astrônomo de quintal” e “filósofo de telhado”, com uma lista de interesses que vão de política à jardinagem. Dando aulas de inglês a crianças carentes, descobriu na Educação uma paixão. Hoje, cursa o ensino médio na Índia, no Mahindra United World College (UWC) – um concorridíssmo colégio internacional que reúne estudantes de vários países e tem como missão promover a paz entre os povos.
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