Logo durante minha segunda semana na Índia, no Mahindra United World College (MUWC), lembro que subi com alguns amigos o telhado do salão de conferências, um dos prédios mais altos do colégio. Era noite. Ventava bastante e, apesar da época chuvosa, havia poucas nuvens no céu. Deitado, com a cara para o alto, pude ver o céu cheio de estrelas, o mais estrelado que já tinha visto, e senti um aperto no coração quando percebi que não reconhecia nenhuma daquelas constelações. Foi a primeira vez em que eu realmente senti saudades de casa.
Agora sei, ainda melhor do que antes, que o meu ponto de vista é apenas um entre milhares de outros igualmente belos e ricos
Gosto de astronomia desde pequeno, sei reconhecer constelações, e passados alguns meses vi “velhos amigos” no céu da Índia: o caçador e seu cão (ainda que de cabeça para baixo), os gêmeos Castor e Pollux, e inclusive a icônica Júpiter. Mas a noção de que estava longe de casa e sob outros céus nunca passou, por mais que olhasse para o alto constantemente e estudasse aquelas constelações, tentando fazer delas um novo lar. Agora, de volta a São Paulo para as férias, olhei para o céu e foi reconfortante ver que as estrelas das quais eu me lembrava, escondidas atrás das manchas de poluição, não haviam mudado nada. Pouca coisa mudou, na verdade. Ainda converso sobre as mesmas coisas com os meus amigos, que ainda acham exageradas as minhas apostas quando jogamos truco (mesmo eu tendo enferrujado um pouco depois de 10 meses sem jogar). As piadas continuam as mesmas ,e mesmo que eles usem uma ou outra gíria nova que eu não reconheço, não demora até a linguagem bater.
Aos poucos, a gente percebe que a grande mudança após um tempo estudando fora aconteceu com você mesmo. Quando algum parente comenta que estou conversando de forma mais calma, que agora ouço mais e falo menos, é porque agora sei, ainda melhor do que antes, que o meu ponto de vista é apenas um entre milhares de outros igualmente belos e ricos.
O segredo de estudar fora não está em deixar para trás velhos céus, mas sim em conhecer outros
Fazer o ensino médio em um colégio internacional, na Índia, não siginifica apenas que eu terei um diploma em outra língua e um currículo interessante. Agora, para mim, cada país tem um rosto, um apelido e uma fruta preferida. A notícia impessoal no jornal sobre um terremoto do outro lado do mundo tem um novo significado, muito mais profundo e mais real.
Durante minha segunda semana na Índia, tive medo das constelações desconhecidas, e saudades das estrelas paulistanas. Onze meses depois, não me perco mais nas noites do Hemisfério Norte: já sei achar a Estrela Polar. E, de volta ao Brasil, ainda vejo o Cruzeiro do Sul com um olhar de velho conhecido, um amigo meu que não vejo há meses. O segredo de estudar fora não está em deixar para trás velhos céus, mas sim em conhecer outros. O céu, apesar dos mil disfarces, no fundo é um só – e quem sabe disso consegue achar um lar sob qualquer estrela. ___________________________________________________________________ Sobre Lucas Sato – O paulistano Lucas Sato teve uma educação primária baseada em muita história em quadrinhos. Assim, aos seis anos tomou gosto pelas letras e começou a escrever por hobby. Costuma brincar que é “astrônomo de quintal” e “filósofo de telhado”, com uma lista de interesses que vai de política a jardinagem. Dando aulas de inglês a crianças carentes, descobriu na Educação uma paixão. Hoje, cursa o ensino médio na Índia, no Mahindra United World College (UWC) – um concorridíssmo colégio internacional que reúne estudantes de vários países e tem como missão promover a paz entre os povos.
Você também quer fazer o ensino médio no United World College (UWC)? As inscrições para a turma de 2016 já estão abertas e seguem até o dia 9 de setembro. O UWC oferece bolsas parciais e integrais de estudo a jovens que tenham entre 15 e 18 anos de idade e estejam no primeiro ou segundo ano do ensino médio.
*Foto: parte dos estudantes do Mahindra United World College, sendo que Lucas está com a bandeira do Brasil. Crédito: divulgação.
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