Quando se começa a falar de governo, as primeiras impressões que vêm à mente estão ligadas à burocracia, à papelada sem fim e aos casos de corrupção que aparecem na TV. Só que, na vida real, trabalhar no governo não se resume a tais clichês. “A gente sabe que existe muita corrupção, mas também existe muita coisa que funciona, muita gente séria, muita gente dedicada”, resume Joice Toyota, bolsista da Fundação Estudar, Lemann Fellow e co-criadora do Vetor Brasil.
Antes de criar a organização, a engenheira de formação Joice decidiu estudar de perto as políticas em educação e a economia por trás delas. Ela embarcou para Stanford, onde combinou a formação no Mestrado em Educação e um MBA. Ao retornar, elaborou com colegas o projeto do que se tornaria o Vetor – inicialmente, com foco em consultoria e, depois, atuando na formação de jovens.
A proposta da instituição é oferecer a jovens brasileiros a oportunidade de enveredar em carreiras dentro do governo, em secretarias distribuídas pelas cinco regiões brasileiras. Atualmente, são 130 trainees que se dedicam ao longo de um período de um ano em órgãos governamentais – ao todo, são 60 opções de instituições, de 30 governos, em 24 estados do país. Os interessados podem, por exemplo, se debruçar sobre projetos na Secretaria de Educação de Salvador, na Bahia, ou se dedicar às iniciativas da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, na capital paulista. Atualmente, um dos planos do Vetor é ampliar a rede de instituições que recebem os trainees.
Por trás da criação de Joice, está a ideia de que não há apenas uma pessoa que possa consertar os problemas complexos que aparecem no setor público. É para isso que a equipe do Vetor seleciona quem queira colaborar com gestões inovadoras e que saiba que, nessa carreira, não há soluções “bala de prata”. “A longo prazo, o objetivo é que possamos criar juntos uma rede de profissionais altamente qualificados que tiveram experiência do lado de dentro do governo, pra saber quais são os desafios reais e fazer mudanças estruturantes no país”, explica Joice.
No processo seletivo, não importa qual a sua formação acadêmica, nem onde sua graduação foi feita — o que vale mesmo, segundo os fundadores, é ser alguém “com muita resiliência e motivação, e que esteja disposto a encarar novos desafios”. Para preparar os candidatos que são escolhidos, há uma série de aulas que contemplam conteúdos de Direito tributário, conceitos dentro da administração pública e, para completar, aspectos ligados à dinâmica entre pessoas. Mais do que saber o beabá técnico, quem opta pelo poder público deve saber como agir dentro de uma equipe e como lidar com problemas complexos.
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Mitos sobre o setor público
Se as carreiras no setor público possibilitam tanto impacto social, por que muitos talentos não se aventuram no ramo? A resposta vem, em parte, dos mitos difundidos sobre o tema. A ideia de que todo político é corrupto, por exemplo, cria uma imagem negativa que afasta os jovens. “Quando eu saí da consultoria e fui para o governo, as pessoas falavam ‘ah, mas dá pra trabalhar no governo e não ser corrupto?’”, conta Joice.
O outro obstáculo comum é imaginar que só com mais burocracia seria possível solucionar problemas. Por um lado, é necessário ter uma estrutura eficiente em identificar desvios em órgãos públicos e ficar de olho em quem comete tais infrações. Por outro, o caminho deve estar livre para quem está disposto a inovar. “Nós precisamos ter mais flexibilidade e controle inteligente, pra que as pessoas que queiram fazer a mudança tenham espaço e não esbarrem em tanta burocracia”, explica a engenheira.
“O setor público é o lugar”, aponta Joice Toyota
“Hoje, o governo é um lugar que apresenta muitas dificuldades, mas tem uma tendência muito positiva de abertura à inovação”. Essa é a constatação da engenheira, que se inspirou em ONGs como a Teach For America, cuja proposta é alocar recém-formados americanos para dar aulas no sistema público de educação.
Oportunidades assim, que se voltam para o setor público, proporcionam uma escala bem maior nos impactos de cada ação. “Não há barreira entre setor público e setor social, é só uma separação por escala. E, se você quer trabalhar em escala, o caminho é o governo”, aponta Joice Toyota. Isso porque, além de ter certas prerrogativas enquanto governo para desenvolver ou adaptar ações, há mais recursos disponíveis.
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Para a criadora do Vetor, o país passa por um momento que deve se reverter em mais disposição à mudança. Para Joice, “as coisas só andam quando a sociedade quer” – e as movimentações políticas dentro do Brasil, independentemente da orientação partidária, mostram que essa vontade existe. Outros fatores positivos entram no cálculo. “Nós, em termos de transparência de dados, somos um país entre os mais avançados que existem. Isso gera pressão e ainda mais engajamento da sociedade”, conclui. Para quem quer trilhar o caminho da gestão pública, talvez este seja o momento.