A Brazil Conference, evento criado pela comunidade brasileira de estudantes na região de Boston, reúne anualmente nomes de peso para discutir temas importantes para o desenvolvimento do Brasil. Na edição 2024, que aconteceu nos dias 6 e 7 de abril em Harvard e no MIT, um dos tópicos de destaque foi o uso de tecnologia na área da saúde. A conferência contou com a presença de Leonardo Riella, líder de uma equipe que realizou um transplante inédito de rim de porco em um ser humano, e Gabriel Ligouri, Líder Estudar que quer imprimir um coração artificial humano em uma impressora 3D.
O Estudar Fora convidou Maria Luiza Seixas, que participou da conferência, para escrever sobre o assunto. Ela é estudante de medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Research Student Intern na Harvard Medical School e Líder Estudar 2023. Leia abaixo:
O intuito primordial de tudo
Você provavelmente já sonhou em ver a cura do câncer. Talvez você tenha sido
atingido pela indignação do “não tem mais jeito, o coração dele falhou”, proferido por
médicos ao seu redor. Ou mesmo pela angústia da necessidade de uma hemodiálise
interrompendo 3 dias de cada semana preciosa de nossas vidas diante de um par de
rins disfuncionais.
Como é possível vermos algoritmos que controlam o fluxo monetário do mundo inteiro
e, ao mesmo tempo, enfermidades que correm pelas veias humanas há séculos ainda
dando um fim à vida? O que posso te afirmar é que a inquietude que veio embebida no seu DNA foi impressa também no genoma daqueles que dedicaram e tem dedicado suas vidas à erradicação daquilo que encurta o maior milagre que um dia experienciamos: a vida.
Nos dias 6 e 7 de abril de 2024, estive na Brazil Conference, realizada na Harvard e
MIT, aqui em Boston. Um evento que reúne as principais lideranças do nosso país para
que, através da preparação da próxima geração, o desenvolvimento do Brasil seja
alavancado ao seu máximo potencial.
E ali, perante os olhos de mais de 1000 participantes, as curas com as quais você
sonhou (e eu também) se viram absolutamente palpáveis. Dr. Gabriel Ligouri, médico e cirurgião cardiovascular formado pela FM-USP, atual CEO da TissueLabs, na Suíça, Líder Estudar, sobe ao palco e nos apresenta o primeiro coração humano artificial da história da medicina, concedendo àqueles que se encontram na linha tênue entre morte e vida, esperando por um transplante cardíaco, a oportunidade de viver.
Uma porção de cérebros brilhantes se unem e criam as chamadas “biotintas”, materiais
que incorporam células humanas vivas e moléculas bioativas tridimendisionalmente,
para um processo chamado bioimpressão. Paralelamente, a equipe prototipa e lança uma das maiores inovações na academia brasileira: bioimpressoras 3D de estereolitografia, uma forma de impressão tridimensional em resina, que oferece impressões 3D teciduais de alta resolução e acurácia. Válvulas, músculos e vasos sanguíneos são então impressos e unidos em um todo completo, formando o órgão mais vital do corpo humano: o coração. Pronto para ser implantado em um ser humano.
O mesmo impulso que levou o Dr. Gabriel Ligouri a prototipar a impressão de corações mexeu a base do Dr. Leonardo Riella, do outro lado do mundo. Se levanta mais um líder inquieto com a partida precoce de pacientes pela escassez de órgãos para transplante.
Médico nefrologista, diretor do centro de transplante renal do Hospital Geral de Massachusetts, da Harvard Medical School, movido pelo anseio de trazer vida digna
àqueles que estão prestes a partir por falência renal total, lidera o primeiro transplante
de um rim porcino geneticamente modificado para um paciente.
Aqui nos EUA, mais de 36 milhões de pessoas possuem doença crônica renal. Dessas, aproximadamente 800.000 estão em estágio final. Por anos, pesquisadores vêm explorando a possibilidade do transplante de órgãos e tecidos de outras espécies para o ser humano, uma técnica conhecida como xenotransplante. Hoje, unindo então uma liderança centrada em 3 nações diferentes, uma estratégia de edição genética digna do Prêmio Nobel de Química de 2020, CRISPR-Cas9, e incontáveis horas de trabalho árduo, podemos começar a enxergar o fim dos óbitos por escassez de órgãos com o sucesso de transplante de rim porcino para paciente.
Foram 69 alterações no genoma do rim porcino para torná-lo compatível e plenamente
seguro para Rick Slayman, nosso paciente no Hospital Geral de Massachusetts. Foram
34 anos de afinco absoluto para geração do protótipo de coração artificial pelo Dr. Gabriel Ligouri. Foram milhares de pesquisadores, médicos, desenvolvedores, engenheiros. Diversas nações, inúmeras línguas, incalculáveis famílias. Com um só objetivo: prolongar a v-i-d-a. O intuito primordial e final de toda a medicina.
Então, eu te pergunto: qual é o valor desse milagre que está sob suas mãos hoje?