Por Carine Berteli
Quando fui contemplada com uma bolsa de estudos para estudar no Canadá, na Universidade Laval, eu falava três palavras em francês: bonjour, merci e enchanté. Na época, era estudante de física da Unesp de Guaratinguetá e tinha conseguido há poucos meses minha transferência para a USP.
Passei os primeiros seis meses ouvindo sons sem sentido, fazendo muita mímica e me virando através de linguagem corporal. Embora na província de Québec quase todo mundo seja bilíngue, infelizmente o meu inglês também era fraco, principalmente a comunicação oral. O que me salvou foi o espanhol, ajudou a me virar na residência universitária onde eu morava.
Durante oito meses, fiz um curso intensivo de francês com uma turma internacional: tinha colegas chineses, colombianos, mexicanos, canadenses anglófonos, russos e árabes. Enfim, gostei tanto que decidi continuar no Canadá meus estudos universitários – com bolsa é claro!
Fui admitida em Física na Université Laval, na cidade de Québec. Como tinha passado no teste de proficiência, pensava que estava suficiente preparada para seguir os meus estudos nesse lindo idioma que é o francês. Não estava. O vocabulário de Física era tudo novo, viajava várias vezes durante as aulas – como quando meu professor falava do tal do ensemble, e, na minha cabeça, eu só associava com a tradução “com”. Só à medida que a matéria avançou que entendi que significava conjunto.
O pessoal da Universidade Laval me acolheu super bem – quase todos da minha sala me ajudaram em algum momento corrigindo o francês dos meus trabalhos. Como recepção, no primeiro dia de aula tive que ir vestida de Pinguim, o inimigo do Batman, e me fizeram calcular a integral dos botões do paletó que iria vestir. O pior era sempre ao preparar relatórios: era um vai e vem de correção do francês que os cálculos e gráficos se tornaram fáceis.
Os professores eram maravilhosos. Um deles, Louis J. Dubé, o meu preferido, conheceu Dirac e Feynman pessoalmente – quem se interessa por física sabe como isso é grandioso! Suas provas eram impossíveis de resolver, mesmo sendo de consulta. Após a primeira prova dele, os veteranos ficavam nos esperando fora da sala para tirar fotos das nossas fisionomias. Ele era muito aberto e transmitia uma paixão pela física que nos contagiava.
No final do meu segundo ano, já estava fluente no francês e decidi que estava no momento de melhorar o meu inglês. Decidi, então, mudar de cidade e de universidade: fui para Montréal, estudar na Université de Montréal. Foi amor à primeira vista: Montréal é uma linda cidade cosmopolita, multicultural, com mil atividades e o melhor festival de Jazz do mundo.
No departamento de Física da Universidade de Montréal não era mais a única estudante internacional, pois havia muitos alunos de intercâmbio. Lá tive aula com Gilles Fontaine, que além de referência em estrelas, também era encantador. “O melhor laboratório é o universo”, dizia. No último de aula, ele levou uma caixa de cerveja e o seu acordeão e tocou canções quebequenses – um encerramento inesquecível para o nosso curso!
* Foto: Universidade de Montréal, em Montréal, Canadá / Crédito: Acervo pessoal
Carine Berteli fez a sua graduação em Física e mestrado em Física Experimental na área de energia solar ambas pela Université de Montréal. Atualmente ela é embaixadora da Universidade de Montréal no Brasil e trabalha como Consultora em Inovação Tecnológica no Parque Tecnológico São José dos Campos. Tem paixão por empreender, adora aprender e tudo o que é inovador!