Existe TCC nas universidades dos EUA? Dois brasileiros respondem!
O Trabalho de Conclusão de Curso, ou TCC, é comum a muitos cursos de graduação no Brasil. Ele é um projeto de grande amplitude, muitas vezes com foco acadêmico relacionado à área de estudos, que os estudantes de graduação precisam realizar para conquistar o diploma. Mas existe TCC nas universidades dos EUA? A resposta é mais complexa do que apenas “sim” ou “não”, e por isso conversamos com dois brasileiros que estudaram lá para entender melhor. Confira!
O que o governo exige sobre TCC nas universidades dos EUA?
No Brasil, há bastante legislação sobre os TCCs. A princípio, de acordo com o artigo 53 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as instituições de ensino superior têm autonomia para exigir ou não um trabalho de conclusão de curso de quem pretende se formar na graduação.
Por outro lado, o Conselho Nacional de Educação, do Ministério da Educação, também pode legislar sobre cursos específicos. Isso é feito por meio de atos normativos que fixam Diretrizes Curriculares Nacionais.
Essencialmente, nesses casos, há leis específicas que regulamentam determinados cursos. E entre essas leis pode haver alguma que determina obrigatoriedade do TCC. É o caso do curso de Biomedicina, por exemplo. Se não houver nada específico nas Diretrizes Curriculares, fica a cargo da instituição de ensino superior exigir (ou não) o TCC.
Nos Estados Unidos, a regulamentação é bem mais simples. Segundo o Departamento de Educação dos EUA, os cursos de graduação são definidos de maneira bem ampla, podendo durar entre 3 e 5 anos. Eles permitem ao estudante bastante flexibilidade na área de estudos, em geral focando em um assunto como major e outros como minors, havendo também a possibilidade de um double major.
Sobre trabalhos necessários para concluir o curso, não há nada na lei. No entanto, se o estudante quiser o título de “Honors”, em geral precisará estudar um ano a mais e realizar “uma tese ou projeto especial” — mas, novamente, as universidades têm bastante liberdade para decidir as regras. Portanto, o TCC não é obrigatório para quem estuda nos EUA como para quem estuda no Brasil… mas mesmo assim, as universidades podem exigí-lo.
Não tem jeito
“Em Princeton, para você se formar, você precisa entregar sua tese. Não tem como fugir”, diz Gabriel Toneatti Vercelli, que se formou recentemente na instituição. Ele fez um major em Física e dois minors, em Biologia Quantitativa, e Matemática Computacional e Aplicada.
Segundo ele, a tese é um projeto de um ano que envolve, necessariamente, pesquisa inovadora — não pode ser uma revisão bibliográfica, por exemplo. Em geral ela é um documento de 50 a 100 páginas que o aluno elabora ao longo do ano e defende numa apresentação de 20 a 30 minutos, diante de um comitê que pode fazer perguntas sobre o trabalho.
Mas pelo menos na experiência de Gabriel, a tese não chegou a ser um susto, mas uma continuação de trabalhos que ele já fazia. “Em Princeton, depois que você declara seu major, você entra nos programas departamentais. No caso de ciências, eles te colocam para trabalhar com algum professor do departamento”, lembra. Esse trabalho já envolve pesquisa ou revisão bibliográfica.
Gabriel diz ser comum que os estudantes comecem com revisão, já que ao ler vários artigos científicos, eles acabam aprendendo um pouco sobre como escrever um. “A cada semestre depois do segundo ano você tem um relatório de 20 a 100 páginas para entregar”, e o conteúdo desse relatório é o trabalho de pesquisa que o aluno fez — que pode até virar um artigo ou paper. Fora isso, ele já tinha tido diversas experiências com pesquisa em outros países durante a graduação também.
Mas tem ajuda
Para esses trabalhos — e para a tese final — os alunos contam com a ajuda de um orientador, um professor da universidade que ajuda a direcionar a pesquisa. Ao longo do ano em que elaboram suas teses, os estudantes também têm vários encontros de avaliação com o orientador para ver se está indo tudo bem com o trabalho.
“Nos fim dos primeiros três meses, você tem que entregar o resumo da sua tese. No fim de seis meses, tem que entregar o primeiro capítulo. E nisso o orientador vai vendo se o que você está fazendo está indo bem”, comenta Gabriel. Por conta dessa orientação, é raro que estudantes reprovem na defesa da tese.
Nisso, a tese de Princeton é semelhante a muitos TCCs no Brasil. Mas Gabriel também diz que pode contar com a ajuda de um estudante de PhD que foi apontado por seu orientador para acompanhar seu trabalho no laboratório, de maneira mais próxima, e ajudá-lo com questões mais práticas. “Foi ótimo ter ele como orientador”, comenta Gabriel.
No geral, Gabriel diz que sua experiência com a tese foi positiva. “Foi estressante mais perto do fim, porque você tem que se formar né. Mas foi super divertido porque eu gosto de pesquisa, de testar coisas, ver o que funciona, e eu tive livre acesso a um laboratório”, comenta.
Suas experiências com pesquisa, durante a graduação e na tese, também ajudaram a direcionar sua carreira. Embora não ligasse muito para a área acadêmica quando entrou na faculdade, ele conta que foi se “apaixonando” pela área durante a graduação. E atualmente ele está se preparando para começar o PhD no MIT.
Como seria sem a tese?
Em outras universidades de ponta dos EUA, por outro lado, a tese não é exigida no fim do curso. Gustavo Moreira de Castro, que se formou na Universidade da California em Berkeley em maio de 2020, conta que não precisou entregar um trabalho final. Ele fez double major, especializando-se em negócios com foco em finanças e em estatística, e diz que nenhum dos majors exigiu um trabalho final desse tipo.
“Algumas aulas de Estatística tinham projetos”, comenta. Esses projetos frequentemente eram parecidos com pequenos trabalhos acadêmicos voltados ao tema das aulas. Numa aula de modelagem matemática, por exemplo, Gustavo conta que teve que criar um modelo de série temporal que tentasse prever o comportamento do preço de um determinado produto ao longo do tempo.
No entanto, eles tinham algumas características distintas de uma “tese final” como a que Gabriel entregou em Princeton. Uma delas é que poderiam ser feitos em grupo. A ideia, na visão de Gustavo, era amenizar um pouco a carga dos trabalhos, já que “os professores sabiam que os alunos de undergrad [graduação] não podiam focar tanto no curso”, comenta.
Será que faz falta?
Gustavo diz que não sentiu muita falta de entregar um trabalho acadêmico no final do seu curso. E mesmo os trabalhos que fez durante o major em estatística não lhe chamaram muito a atenção.
“Eu gostei, melhorou minha habilidade de programação, e ter uma ideia de como se faz um paper é sempre bom, mas caso você não queira seguir carreira acadêmica, acho que não faz muita falta, porque algumas coisas não eram muito aplicáveis”, avalia.
Na experiência dele, algumas disciplinas pediam trabalhos que se debruçavam sobre técnicas que já são um pouco ultrapassadas. Embora elas fossem positivas como maneira de introduzir os alunos às bases das técnicas atuais, e como método para treinar a escrita acadêmica, não eram muito úteis para o mercado. “A única ressalva é caso você queira seguir carreira acadêmica. Nesse caso, fazer um projeto estruturado é extremamente proveitoso”, comenta.
BA ou BSc?
Nos EUA, as graduações conferem a quem as conclui os títulos de BA (“Bachelor of the Arts”) ou BSc (“Bachelor of Science”), entre outros. O nome pode dar a entender que o BSc têm um foco mais acadêmico e que, por isso, teria mais propensão a exigir teses de conclusão de curso na graduação. Mas Gustavo conta que não é o caso.
“O meu major em business era BSc e não teve nada, e o major em estatística era BA e teve esses trabalhos”, comenta. Gabriel, por sua vez, também notou que sua graduação em Princeton lhe rendeu o título de BA (e exigiu uma tese científica para a sua conclusão). “Em Princeton, o BSc é só para engenharia”, comenta. As chances de você fazer TCC as universidades dos EUA, portanto, parece não ser afetada pelo título que o curso confere.