Por Rosie Falcon-Shapiro, coordenadora do Prep Program
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No final de setembro, uma nova lei foi sancionada na Califórnia proibindo admissões por legado e por doadores em universidades privadas, a ser aplicada a partir de setembro de 2025. A nova medida afetará instituições privadas renomadas, como Stanford, USC, Harvey Mudd e Claremont McKenna. Algumas universidades particulares do estado, incluindo Pomona e Occidental, já haviam abandonado essa prática, que também foi banida há 25 anos por universidades públicas da Califórnia, como UC Berkeley e UCLA. As admissões por legado, ou legacy admissions, tornam mais fácil a admissão de candidatos com familiares que estudaram na instituição ou que fazem doações significativas, algo comum em universidades altamente seletivas e privadas.
Há muitas diferenças entre o processo de admissão nos Estados Unidos e no Brasil. Uma delas é o grande foco em um processo de admissão holístico nas universidades americanas, que pode ser entendido como algo positivo. Isso porque o candidato não é avaliado apenas com base em notas ou em exames específicos, como acontece no Brasil, mas também em outros fatores. O lado negativo é que isso abre espaço para que as pessoas possam demonstrar mérito utilizando diferentes portas para serem aceitos.
Uma dessas portas de entrada é a admissão por legado, que concede tratamento preferencial a estudantes que têm um parente – como pai, mãe ou outro familiar – que estudou na instituição. Esse favorecimento também pode se estender a candidatos cuja família faz doações para a universidade, aumentando suas chances de serem aceitos.
A origem desse sistema remonta à década de 1920, quando instituições prestigiadas, como as da Ivy League, buscavam manter certas tradições e vínculos com algumas comunidades, restringindo o acesso de minorias, como imigrantes e judeus, para preservar sua composição social. Já as universidades públicas, com uma missão mais inclusiva, adotam menos essas práticas.
Diversas universidades renomadas, como Caltech, Johns Hopkins University, MIT, Purdue, e Amherst College, já proibiram as admissões por legado, expondo claramente os impactos dessas mudanças. Johns Hopkins, por exemplo, mostrou que, ao eliminar essa prática, tanto a diversidade socioeconômica quanto os padrões acadêmicos aumentam.
Uma das razões pelas quais algumas pessoas defendem a admissão por legado é a ideia de que ela incentivaria as doações, argumentando que os ex-alunos estariam mais propensos a doar se houvesse um caminho preferencial para seus filhos. Em 2018, um comitê de Harvard encarregado de avaliar políticas de admissão expressou preocupação de que eliminar as preferências por legado poderia diminuir as doações e o envolvimento dos ex-alunos, argumentando também que considerar o status de legado ajuda a promover um senso de comunidade e conexão. Embora algumas pesquisas sustentem a alegação de que as vantagens para legados aumentam as doações, outras evidências indicam que tais preferências têm pouco ou nenhum efeito sobre o financiamento. Há pesquisas limitadas sobre os efeitos da prática no engajamento geral dos ex-alunos, mas os dados iniciais mostram que as doações e os fundos patrimoniais aumentaram em instituições seletivas que aboliram as admissões por legado.
Existe uma relação entre o que está acontecendo agora e a decisão do ano passado em que a Suprema Corte tornou inconstitucionais as ações afirmativas baseadas em raça nas universidades do país, proibindo as universidades de usarem a raça como um fator nas admissões. Após essa resolução, muitas universidades reivindicaram que seria injusto manter o legado como critério de admissão, já que, se não podem mais considerar a raça do estudante, também não deveriam considerar o legado.
Além disso, há mais alunos admitidos com base no fator legado do que na raça. Faculdades de elite com essa prática reservam até 25% de suas vagas para candidatos por legado – em 2023, a USC informou admitiu 1.791 candidatos de graduação que eram parentes de doadores ou de ex-alunos, representando cerca de 14,5% dos estudantes admitidos. Na Universidade de Stanford, esse número foi de 295, o que representou aproximadamente 13,6% dos admitidos. Em várias universidades, a porcentagem de calouros admitidos pela via do legado supera a porcentagem de estudantes negros nas novas turmas. Na Universidade de Notre Dame, 21% da turma de calouros de 2020 entrou por meio de legado, enquanto apenas 4% eram estudantes negros. Em Harvard, 14% dos calouros eram admitidos por legado, o dobro da porcentagem de calouros negros, que era de 7%.
Isso mostra que o tratamento preferencial por legado é muito mais significativo do que a ideia de que a raça seria um fator determinante na admissão – algo que, na verdade, nunca aconteceu. Algumas universidades decidiram, então, banir a admissão por legado. É importante lembrar que acabar com as admissões por legado não significa que os filhos de ex-alunos não serão aceitos em instituições altamente seletivas; significa apenas que eles devem se qualificar para a admissão com base em seus próprios méritos.
Um estudo do Pew Research Center de 2022 revelou que 75% dos americanos não acreditam que o legado deva ser considerado nas decisões de admissão, o que reflete um raro consenso em um país com polarização política em questões educacionais. Atualmente, a resistência de algumas universidades em abolir essa prática está relacionada principalmente à taxa de matrícula dos alunos admitidos, um fator que impacta a reputação da instituição nos rankings acadêmicos. Essas universidades acreditam que estudantes com algum vínculo com a instituição, como legado ou doações familiares, têm maior probabilidade de se matricularem após a aprovação.
Com o fim dessa prática, acredito ser possível que mais faculdades que não adotam admissões por legado aumentem o número de estudantes admitidos por meio do early decision, sistema que garante o compromisso do aluno aprovado. Dito isso, nem todas as universidades (inclusive algumas altamente seletivas) oferecem esse modelo. Assim, teremos que aguardar para ver como isso afetará as universidades particulares da Califórnia que o utilizam como opção de admissão. A Califórnia é um dos estados mais proeminentes em ensino superior nos EUA, o que me leva a acreditar que cada vez mais instituições e estados pelo país abandonarão essa prática. Tal mudança beneficiará estudantes internacionais, incluindo brasileiros, que geralmente não possuem tradição de legado.
Muitas universidades ainda consideram o interesse como um fator nas admissões, permitindo que o aluno mostre por que tem um forte desejo de estudar lá, caso seja aceito. Esse interesse pode ser demonstrado de várias maneiras, como participar de sessões informativas online com a universidade, assinar conteúdo por e-mail, conectar-se com alunos e ex-alunos dessas instituições e evidenciar essas conexões em seus ensaios complementares do application. No entanto, o interesse não é um fator decisivo para a aceitação.
Com um processo de admissão mais justo, as chances dos estudantes internacionais podem aumentar ligeiramente. Mesmo assim, o foco continua sendo o bom desempenho acadêmico e a comprovação de mérito.