Para quem quer ter uma experiência internacional no currículo sem gastar muito, um intercâmbio de trabalho no exterior, ou mesmo um programa de “Work and Study” podem ser uma boa opção. Afinal, como você trabalha no país de destino, acaba reavendo um pouco do dinheiro que gastou para estudar. Além disso, pode ser uma oportunidade interessante de já adquirir experiência de trabalho na sua área e, ao mesmo tempo, fazer um curso relevante.
No entanto, é necessário se programar com cuidado para não cair em ciladas. Justamente por envolver relações trabalhistas e dinheiro, esses programas podem colocar o candidato em situações bem complicadas — como a que vamos contar na sequência. Mas tomando cuidado, é possível evitar más experiências ao fazer um intercâmbio de trabalho no exterior. Confira:
“O pior ano da minha vida, disparado”
Felipe Procópio, analista de parcerias da Fundação Estudar, cursava engenharia florestal na Universidade de Viçosa e queria ter uma experiência de viagem antes de se formar. “Acabou o Ciências Sem Fronteiras e eu queria viajar naquele esquema, sem gastar muito. Não tinha como pegar 15 mil reais pra ir viajar”, diz.
A solução que ele encontrou foi um programa de work and study oferecido pela University of Minnesota (UofM) focado em agricultura e veterinária. Ficou acordado que ele trabalharia seis meses e depois estudaria seis meses na UofM, embora ele lembre que já no processo dava para ver que havia algo estranho.
O trabalho…
Felipe chegou em Minnesota sem saber direito onde ia morar (só que teria direito a habitação) ou em que iria trabalhar (só que ganharia de 8 a 12 dólares por hora para trabalhar em um viveiro). Ao chegar no viveiro, foi recebido pela dona, que o colocou em uma casa onde moravam outros 15 mexicanos. “Só falaram que a gente ia ter moradia, e socaram a gente numa casa com um monte de cara”, diz.
O primeiro trabalho que ele no intercâmbio de trabalho no exterior fez se chamava “digging”. O viveiro vendia bandejas com diversas mudas, e o trabalho era identificar mudas mortas e substituí-las por platas vivas. Além de ser um trabalho repetitivo, desgastante e puramente braçal, era um trabalho silencioso: ele não falava com ninguém e, por isso, não conseguia treinar o inglês ou o espanhol. “Fiz isso por um mês mais ou menos, mas já fui falando para eles que eu tinha ido para falar inglês, espanhol, e aí me mudaram para uma área chamada ‘shipping'”.
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No “shipping”, Felipe conversava com vários funcionários do viveiro (em inglês) para saber quais mudas seriam compradas, e com os outros trabalhadores do viveiro (em espanhol) para organizar e despachar as mudas. Era um trabalho melhor, mas também mais exigente. “A gente fazia muita hora extra. Entrava às 7 da manhã, saía 7, 8 horas da noite. E de sábado e domingo eu trabalhava umas 25 horas entre os dois dias”, relembra.
Sua promoção, no entanto, gerou discórdia entre os mexicanos que moravam com ele. Eles achavam injusto que ele tivesse mudado de área mesmo tendo chegado depois. “A galera começou a me perseguir, e o cara que dividia quarto comigo chegou a me ameaçar. Então eu conversei e fui morar no porão da dona do viveiro”, conta.
… e o estudo
Ganhando melhor e morando em melhores condições, Felipe chegou à parte “study” do work and study. Nesses seis meses, só poderia trabalhar durante 20 horas por semana, o que lhe dava uma renda de cerca de 800 dólares. Mas ele já pensava em cancelar essa parte e voltar. “Para mim, nesse segundo semestre, a grana ia ser muito curta. Então será que valia a pena, morar com 8 a 10 cara num apê de dois quartos? Eu não queria isso e ainda custaria dinheiro. Então conversei com a dona e ela me deixou morar de graça na casa dela”, conta.
A casa, no entanto, era longe da universidade — cerca de 2 horas de transporte público. Com a economia no aluguel, era viável comprar um carro barato (US$ 1.500) e depois vendê-lo pelo mesmo preço para ir às aulas dirigindo. Para isso, no entanto, era preciso pagar pela gasolina, o que ficava difícil com a renda limitada que ele tinha nesse momento. A solução foi buscar fontes de renda alternativas, como… vender plasma (a parte líquida do sangue). “Nas primeiras vezes que você vende, você consegue tirar uns 350 dólares por centro de doação. Eu paguei custos e comprei meu iPhone assim”, conta.
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Dessa maneira, ele conseguiu chegar até o fim do período de estudos. Como pontos positivos, ele considera que conseguiu desenolver bem suas habilidades, tanto de inglês quanto de espanhol. Por outro lado, pelos perrengues que passou, ele considera que o período foi “o pior ano da minha vida, disparado”.
“Foi muito mais do que eu esperava”
Já para Natália Zodi, atualmente trainee da empresa TemBici, a experiência de intercâmbio de trabalho no exterior foi surpreendente de maneira positiva. Ela passou um ano na Cidade do México (de janeiro a dezembro de 2018) trabalhando para a empresa de recrutamento especializado 3hunters pelo programa Talento Global da AIESEC.
“Eu sempre quis fazer intercâmbio. Mas um dia eu vi uma palestra do gerente da Hipermarcas e meu olho brilhou muito mais. Como o gerente tinha feito justamente esse programa da AIESEC, Natália foi atrás e, assim que se formou em administração pela FGV-SP, embarcou para o México.
Adaptação
O começo do intercâmbio de trabalho no exterior foi a parte mais difícil para Natália, por uma série de questões. Primeiro, a língua: “cheguei lá falando do básico pro intermediário, mas o pessoal da empresa ajudava muito também”. Além da dificuldade com a língua, ela também sentiu um pouco a diferença cultural entre brasileiros e mexicanos. “São pessoas muito legais, e muito sensíveis. Então tudo que eu falava eles achavam que eu estava sendo grossa”, diz, sobre a diferença na maneira de se comunicar.
E houve também dificuldades relacionadas ao ambiente da Cidade do México. A primeira delas era a poluição. “Eu não tinha problemas respiratórios até chegar na Cidade do México. Fiquei doente várias vezes. O casal que morava comigo me ajudou muito, chegaram a me levar no hospital quando eu fiquei doente”, lembra.
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Além disso, a Cidade do México também está numa área de risco de terremotos. E isso exige alguma adaptação de quem mora em zonas sem esse risco (como é o caso de todo o território brasileiro). “Você vai dormir e não pode deixar a porta trancada, pra poder sair rápido em caso de terremoto”, conta Natália.
Diferencial no CV
Uma vez superadas essas dificuldades iniciais, no entanto, Natália conta que a vivência foi muito enriquecedora. Em particular, o seu tempo de trabalho na 3hunters lhe rendeu tanto experiência no mercado profissional quanto amizades e contatos. “Eu tinha um coordenador mexicano que me ensinou muitas coisas. As pessoas me marcaram porque me ajudaram muito, e eu mantenho esses vínculos até hoje”, relata.
E essa experiência continuou a render frutos até depois de ela voltar ao Brasil. “Nas entrevistas, sempre mencionam isso positivamente e ficam surpresos. Eu trabalhei na Procter & Gamble [antes de ir para o intercâmbio] e ninguém queria saber disso nas entrevistas, só queriam saber da minha experiência no México”, conta. Segundo Natália, depois que ela voltou, era comum que recrutadores a abordassem pelo LinkedIn para marcar entrevistas.
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Fora isso, ela também acredita que seu intercâmbio deve se valorizar ainda mais no futuro. “Aqui no Brasil muitas empresas estão se expandindo para a América Latina, então quando você tem uma experiência de ter trabalhado em outro país da região, isso ajuda demais a ter uma visão de como é a cultura deles”, considera. De maneira geral, ela avalia que a experiência “foi muito mais do que eu esperava”. “Eu sabia que ia mudar de alguma forma, mas não achei que seria tanto”, afirma.
Dicas para não cair em ciladas num intercâmbio de trabalho no exterior
1 – Alinhe tudo direitinho com a empresa antes de ir
Felipe desde o começo do processo percebeu que algumas coisas estavam estranhas. “Eu fiz a entrevista de inglês com uma moça que falava pior que eu, e eu não falava inglês na época”, lembra. Natália, por sua vez, considerou que o processo todo foi bem feito. “Tudo que eu ia fazer na empresa foi exatamente como tava na descrição da vaga, como me explicaram nas entrevistas, então foi tudo que eu esperava”, diz ela. Por isso, é importante ficar atento ao longo de todo o processo ao planejar um intercâmbio de trabalho no exterior. Se algo estiver confuso antes da partida, é bem provável que fique ainda mais confuso depois.
2 – Muita atenção no clima
Um país diferente vai ter um clima diferente, e é muito importante ter isso em mente. “A gente acha que o frio vai ser gostoso, mas eu peguei -32ºC e não tem roupa que segure.”, lembra Felipe. Não é só pelo frio, mas pelas implicações desse tempo ruim: “se nevar muito forte um fim de semana, você vai ficar em casa, não vai ter o que fazer. O clima vai afetar muito sua vida”, avisa. Natália também considera que o clima é um fator importante ao planejar um intercâmbio de trabalho no exterior: na Cidade do México, diz ela, “é bem mais frio do que eu tava acostumada, e o ar é mais rarefeito”.
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3 – Ponha na ponta do lápis
Ficar sem dinheiro no seu país de origem é uma coisa; ficar sem dinheiro num país distante é outra, bem pior. Por isso, uma dica importante para fechar um intercâmbio de trabalho no exterior é fazer as contas com cuidado para saber com quanto dinheiro você vai poder contar, e que tipo de vida você pode ter no seu destino com aquela quantia. A quem vai, Felipe sugere “fazer todas as contas para ver o que cobram de taxas” e avaliar se o salário vale a pena.
4 – Não chegue sem saber nada da língua
Por mais que o intercâmbio de trabalho no exterior seja uma boa oportunidade para treinar línguas estrangeiras, o ideal é já saber pelo menos um pouco ao chegar lá. “Eu não falava espanhol. Todas as entrevistas que eu fiz foram em inglês. A pessoa que depois seria meu chefe me falou que eu precisava ter aulas para não chegar tão ‘crua’, então eu tentei estudar sozinha para aprender mais rápido”, lembra.