Um dos motivos mais comuns pelos quais as pessoas decidem cursar o ensino superior é a carreira. Numa pesquisa de 2017 encomendada pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior, 66% dos mais de 1.200 respondentes disseram que entrar na universidade era importante para conseguir um emprego melhor. Mas é só para isso que serve a universidade? E, se não é, então para que serve a universidade?
A questão é mais complexa do que parece, e e vai mudando ao longo do tempo. A Universidade de Bolonha, por exemplo, foi fundada em 1088 e funcionava como uma coleção de grupos de estudo — de fato, ela é considerada a universidade mais antiga do mundo ocidental. Mas já no século seguinte, segundo o site da universidade, seus alunos começaram a atuar junto a organizações estatais para direcionar o desenvolvimento da sociedade.
De fato, muito conhecimento que hoje tomamos por garantido (como a noção de que a Terra gira em torno do sol) vieram de alunos da Universidade de Bolonha (como Nicolau Copérnico, no caso). A resposta mais ampla para a questão de para que serve a universidade, portanto, é que ela ajuda a sociedade a “melhorar”. Como ela faz isso (e o que significa “melhorar”), no entanto, são questões controversas que não têm uma resposta fechada.
Quem decide para que serve a universidade?
Como parte integral da educação, o ensino superior em geral tem seu papel ou funcionamento determinado, em alguma medida, pelo governo nacional ou por acordos internacionais. No Brasil, por exemplo, o artigo 207 da Costituição Federal de 1988 diz que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestãofinanceira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
Há dois pontos importantes nesse artigo. Primeiro, ele determina que as universidades são autônomas. Isto é, não devem ser submetidas a pressões externas nas suas missões de ensino, pesquisa e extensão, assim como em sua gestão.
Além disso, a Constituição também determina que ensino, pesquisa e extensão são indissociáveis. Ou seja: produzir conhecimento e compartilhar esse conhecimento com a sociedade são partes tão importantes de sua atuação quanto formar profissionais para o mercado de trabalho.
Em outros países
De acordo com Caroline Daley, Pró-reitora de Pós-graduação da Universidade de Auckland, “uma universidade precisa ser mais do que uma instituição de treinamento”. “Embora haja uma expectativa de que as universidades contribuirão para uma nação economicamente sustentável, essa expectativa existe ao lado da nossa contribuição para o desenvolvimento social sustentável”, afirma.
A Universidade de Auckland, na qual Daley trabalha, foi considerada a melhor do mundo de acordo com o ranking de impacto da Times Higher Education (THE). O ranking avalia as universidades de acordo com suas contribuições para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Sobre a Universidade de Auckland especificamente, Daley considera que a formação de profissionais qualificados é apenas uma dentre suas prioridades. “Trabalhamos para elevar o bem-estar intelectual, cultural, ambiental e social dos povos de Auckland e da Nova Zelândia, bem como para elevar o bem-estar econômico das nossas comunidades”.
Daley acrescenta também que “há uma expectativa importante, positivada em lei, de que os membros da universidade agirão como ‘críticos e consciência’ da sociedade”. Ou seja: a universidade deve ser capaz de lançar um olhar analítico e questionador aos rums da sociedade em que está inserida — e não apenas ajudá-la a seguir por esses rumos.
Na França, a situação é semelhante: Ingrid Chanefo, adida de cooperação universitária da Embaixada da França no Brasil e Diretora do Campus France Brasil, conta que o papel das universidades é tratado pela estratégia nacional de desenvolvimento sustentável, proposta em 2010.
“No campo do ensino, as responsabilidades vão da elevação do nível científico, cultural e profissional da nação até o crescimento e competitividade da economia”, comenta. Já com relação à pesquisa, não se trata apenas de produzir mais conhecimento, mas também de compartilhar da cultura científica, técnica e industrial; de valorizar os resultados da pesquisa em serviço à sociedade; de restaurar o diálogo entre ciência e sociedade; de contribuir para o desenvolvimento sustentável”, afirma.
O que dizem os rankings?
Na hora de avaliar e comparar universidades de diversos países, a capacidade das instituições de formar profissionais qualificados é um dos fatores que contam. Os rankings mundiais de universidades tanto da QS quanto da Times Higher Education (THE) — dois dos mais importantes do mundo — levam isso em consideração para elaborar suas listas. Mas o fator tem menos peso do que se pode imaginar.
No ranking da QS, por exemplo, cerca de 10% da nota das universidades é composta pela “Employer Reputation”: a reputação da universidade junto a empregadores. Para avaliar esse ponto, a organização se vale de um questionário com mais de 45 mil respostas de empregadores de diversas áreas. Esses empregadores respondem dizendo quais são, em sua visão, as universidades mais capazes de formar bons profissionais.
No ranking da THE, esse fator sequer é avaliado diretamente. 15% das notas dadas às universidades avaliadas depende de sua pontuação numa pesquisa de reputação semelhante. Essa pesquisa, no entanto, não avalia diretamente o quanto a universidade prepara para o mercado de trabalho, mas apenas sua reputação como instituição de ensino em geral.
Nos dois rankings, fatores acadêmicos têm um peso bem maior. No da QS, por exemplo, o número de citações acadêmicas por funcionário responde por 20% da nota das universidades. No da THE, por sua vez, a reputação das universidades como instituições de pesquisa equivale a 18% de sua nota.
Embora seja possível considerar que outros critérios usados pelo ranking também avaliem, indiretamente, a capacidade da instituição de formar profissionais, de maneira direta isso tem um peso relativamente baixo na nota. No mundo, o que define uma boa universidade é mais o seu potencial de gerar conhecimento e inovação por meio da pesquisa do que a sua capacidade de formar mão-de-obra. Direcionar as universidades brasileiras para a formação de profissionais poderia, portanto, impactar negativamente suas posições.