Bruno Santos, 27 anos, é mineiro de Belo Horizonte e um político em formação. Sua mãe, professora, dá aulas para crianças do primeiro ao quarto ano no ensino público. O pai, engenheiro agrimensor, trabalha na demarcação de municípios e em processos de reforma agrária do estado de Minas Gerais. Embora sempre tenha admirado o fato de os pais exercerem funções benéficas à sociedade, como servidores públicos, achava pouco motivador os limites de impacto do trabalho exercido por eles. “Em geral, o caminho do funcionário público é muito longo até ele conseguir assumir um cargo de gestão que possibilite tomar decisões que realmente impactem muita gente. Quando eu entrei na faculdade, não queria de jeito nenhum mexer com governo”, diz.
Formado em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2010, Bruno conquistou uma vaga na consultoria McKinsey, em São Paulo, para onde se mudou no ano seguinte com a intenção de trabalhar com o setor empresarial. Integrado aos quadros da consultoria, no entanto, soube que a empresa havia passado a oferecer seus serviços também a governos e resolveu experimentar o trabalho com a gestão pública, na confortável posição de quem ajuda de fora.
Um pé na gestão pública
Passou oito meses trabalhando num plano de ação para a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, que tinha por objetivo a ambiciosa meta de colocar o estado entre os 30 melhores sistemas de ensino do mundo até 2030. O consultor liderou a equipe que tratou da reformulação do Ensino Médio, que tradicionalmente sofre uma grande queda no número de matrículas, já que muitos adolescentes deixam de frequentar a escola durante essa fase do ensino ou antes mesmo de iniciá-la, dando os estudos por encerrados ao fim do ensino fundamental.
O projeto elaborado por Bruno e sua equipe propunha que São Paulo seguisse o modelo de Ensino Médio integral adotado anos antes no estado de Pernambuco, com dedicação exclusiva dos professores e foco em ajudar os estudantes a construir e colocar em prática seus projetos de vida. “Uma coisa super importante era colocar os alunos em contato com pessoas que saíram da mesma realidade que eles e mudaram de vida. Porque, sem conviver com gente que fez o Ensino Médio ou a faculdade, eles não enxergam os benefícios de seguir estudando, nem se sentem capazes de ir mais longe”, explica. Em contato com os resultados do trabalho no qual se inspirou – que, além de números, incluía casos concretos de alunos que se aventuraram em profissões de nível superior antes consideradas irreais por eles mesmos – foi tomando gosto pelo trabalho com a administração pública.
Em seguida, o economista atuou como consultor em duas frentes de trabalho que lhe renderam outro aprendizado importante: ter capacidade de articulação para concretizar projetos de maior abrangência é, ao mesmo tempo, crucial e um baita desafio. Junto com outros seis profissionais da McKinsey, Bruno passou oito meses na Casa Civil, estruturando um sistema de acompanhamento de políticas públicas para o governo Dilma Rousseff, no início de seu primeiro mandato. A ideia era formular uma agenda de monitoramento dos projetos, organizando uma ordem de prioridade, e fornecer ferramentas para a avaliação periódica das iniciativas.
“Foi muito interessante conhecer a dinâmica do governo federal. Por um lado, ele está muito no foco da mídia e da população; por outro está mais distante da implementação. No geral, qualquer política do governo federal, para ser implementada, depende de um outro ente da federação que é independente, e que muitas vezes tem interesses diversos e pode escolher não aderir a essa política. Ou seja, requer uma parte de articulação institucional muito forte.” Adiante, o economista atuou por dois meses num projeto de municipalização de um programa estadual de educação no governo de Minas Gerais, onde o trabalho de articulação feito pela Secretaria de Educação foi, em sua avaliação, crucial para que todos os municípios do estado aderissem à iniciativa, “independentemente de partido e sem contrapartida de verba”, frisa.
A essa altura, tendo concentrado no setor público dois terços dos trabalhos realizados pela McKinsey, Bruno já havia percebido que algumas “verdades” tão repetidas a respeito do setor não passavam de estigmas. Entre elas, a máxima de que “funcionário público não trabalha”. “É coisa de uma minoria, não muito diferente do que acontece em grandes empresas, sobretudo as familiares”, avalia. Também pôde constatar que a corrupção, embora obviamente exista, não está por toda parte. Pouco a pouco, foi identificando as dificuldades reais da administração pública – entre elas, a quase nula troca de experiências entre gestões de diferentes estados e cidades, mesmo quando alinhadas politicamente, desperdiçando aprendizados que poderiam levar a mais avanços, e o fato de muitos servidores experientes e qualificados tecnicamente não receberam formação para gerir.
Agora, para valer
Mesmo ciente das dificuldades, o contato com a administração pública através do trabalho
de consultor acabou despertando em Bruno a vontade de ir um pouco além: atuar de dentro
da estrutura governamental, para ter não só a oportunidade de planejar os projetos voltados à população, mas também implementá-los. “Planejar é ‘fácil’, implementar é que são elas. Lógico que, no planejamento, a gente pensa nas dificuldades para implementar e participa do início da ação, mas na hora que as coisas estão começando para valer, o consultor sai. Colocar em prática pode ser muito mais frustrante, mas também muito mais recompensador.”
Aproveitando uma oportunidade prevista na carreira da McKinsey – de passar o terceiro ano fora da empresa, trabalhando em outra companhia, numa ONG ou num governo de livre escolha para experimentar o ponto de vista do cliente –, cavou uma oportunidade de atuar na Prefeitura de São Paulo. Mais precisamente na SP Negócios, empresa de economia mista que funciona como um braço da Prefeitura para relacionamentos com o setor privado.
Vinculada à Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico, a SP Negócios atua atraindo investimentos para eventos e projetos da administração municipal, articulando parcerias público-privadas e criando iniciativas que melhorem o ambiente de negócios na capital, com ações que vão do incentivo fiscal a estímulos para atrair empresas para mais perto da massa de trabalhadores – melhorando ao mesmo tempo a produtividade e a mobilidade urbana, por exemplo.
Bruno vislumbrou a oportunidade quando soube que seu ex-chefe na McKinsey, Marcos Cruz, fora convidado a assumir o cargo de Secretário de Finanças da Prefeitura. “Liguei para ele e me coloquei à disposição para ajudar onde fosse necessário”, conta. Entre as ações que tocou na SP Negócios, o jovem liderou a elaboração e o início da implementação de um projeto que tinha por objetivo agilizar a abertura de empresas na capital.
A meta inicial era reduzir o tempo gasto com a burocracia de 100 dias, a média a da época, para apenas cinco. Para atacar esse desafio, boa parte do processo de registro das empresas está sendo centralizado num portal da internet, substituindo idas seguidas a guichês e análises manuais feitas por equipes da Prefeitura.
A meta ainda não foi integralmente atingida, mas o tempo médio de abertura de uma empresa em São Paulo caiu para 36 dias em 2014, levando a cidade para o 2º lugar no Índice de Cidades Empreendedoras – ranking que avalia o ambiente de negócios nas capitais brasileiras produzido pela Endeavor, organização não governamental que atua no apoio a empreendedores de alto impacto.
Com essa experiência, Bruno compreendeu que nem tudo na melhoria da eficiência no setor público está ligado à gestão de processos. Para desburocratizar ao máximo o registro das empresas, ele diz, seria necessário realizar algumas mudanças estruturais. “Um dos grandes gargalos do processo de abertura de empresas, por exemplo, é a liberação do alvará. O problema é que a fiscalização prévia para liberação de alvará é sempre precária. Seria necessária uma equipe gigantesca para fiscalizar previamente todos os prédios em São Paulo – tanto é que a maioria dos edifícios das empresas funciona de forma irregular. A fiscalização prévia gera uma fila enorme, que dá abertura a processos de corrupção.
Várias empresas se beneficiam disso – elas conseguem a liberação antes e constroem na frente dos concorrentes, criando uma barreira de entrada no mercado. Em qualquer lugar do mundo onde uma empresa é aberta de forma rápida, o empreendedor faz tudo on-line. Depois só assina os documentos – digitalmente ou entrega pessoalmente ou via correio – assumindo todas as responsabilidades. Se algo acontecer, ele é penalizado severamente.
Mas, para fazer isso, é necessário um nível de confiança na sociedade que a gente está longe
de ter. O brasileiro ainda demanda que o poder público faça essa intermediação da confiança
que a gente não tem um no outro” argumenta.
Bruno diz que, apesar de todas as dificuldades encontradas para implementar os projetos da SP Negócios, foi o governo no qual mais gostou de trabalhar. “É um governo que tenta implementar políticas públicas com base em evidências, técnico e aberto a propostas.” Um dos principais aprendizados que o economista levou de sua passagem pela empresa da Prefeitura foi perceber o quão importante – e ao mesmo tempo difícil – é se comunicar com a população de forma eficiente e conseguir mobilizá-la a ponto de fazê-la influenciar decisões com o potencial para trazer benefícios à sociedade.
Diálogo com a sociedade
Essa constatação o inspirou a criar, em 2014, uma startup com outros sete amigos de Belo Horizonte: a Projeto Brasil que, nas palavras de seus fundadores, “sonha e busca tornar a política brasileira mais transparente, competente e democrática”.
Com um orçamento de R$ 65.000 obtido no Seed – sigla para Startups and Entrepreneurship
Ecosystem Development, programa do governo de Minas Gerais de incentivo à cultura do empreendedorismo e da inovação no estado –, o grupo lançou, durante a campanha para as últimas eleições presidenciais, um portal na internet dedicado a contribuir para a informação dos eleitores.
O site traçou um comparativo dos planos de governo de cada candidato à Presidência e trouxe ainda um teste cego, que permitia aos eleitores avaliar propostas dos candidatos sem
saber de quem eram, a priori. O objetivo era tentar resguardar a avaliação de qualquer viés
ou preconceito.
Ao fim das avaliações, o eleitor ficava conhecendo o autor de cada proposta e era informado sobre quem era o candidato mais alinhado com suas convicções – aquele que recebeu mais pontos. “A ideia era dar ferramentas para cada pessoa amparar melhor o próprio voto, sem tentar convencer ninguém a votar em um candidato ou em outro”, esclarece.
O grupo planeja realimentar o site para as eleições municipais deste ano, com o foco em combater a desinformação que se dissemina através das redes sociais de forma poderosa. Segundo levantamento realizado recentemente por um pesquisador da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, informações falsas que “viralizam” tendem a circular três
vezes mais que as informações verdadeiras que tentam corrigi-las.
Para lidar com a questão, os sócios do projeto pretendem lançar um jogo que ponha à prova os conhecimentos da população sobre temas que são muito discutidos, mas na realidade pouco conhecidos – por exemplo, a qualidade da educação pública (que pode ser medida através do percentual de alunos brasileiros que possuem um aprendizado adequado para sua fase escolar) ou valor gasto com programas de assistência social como o Bolsa Família.
“Nossa hipótese e nossos testes têm mostrado que as respostas devem ser bem discrepantes da realidade. As pessoas ainda discutem muito baseadas em ‘achismos’, em preconceitos ou nas referências da própria vida. Conheço gente que acha que a renda média do brasileiro é R$ 10.000 porque isso é o que o pai dela ganha”, diz.
Numa segunda fase do Projeto Brasil, que deve ser iniciada no segundo semestre de 2017, o grupo quer criar um sistema de avaliação de serviços públicos, on-line e off-line, para captar as impressões dos mais diversos extratos sociais da população. “Hoje em dia é difícil avaliar o mandato de um político. Você conversa com seus amigos, lê matérias nos jornais, vê o que mudou na sua vida, mas geralmente avalia de forma mais subjetiva. A gente quer criar indicadores tangíveis que ajudem a fazer essa avaliação – botar a população para responder quanto tempo esperou na fila do hospital, por exemplo, usando SMS ou totens no local”, explica. Depois de seis, oito anos, haverá uma base de dados que permita comparar se o tempo de fila para atendimento nos hospitais aumentou ou diminuiu.
Esse tipo de avaliação, acredita Bruno, pode ser útil a governos que possuem contratos de parcerias público-privadas cuja remuneração dos parceiros está condicionada à qualidade dos serviços – e que hoje fazem essa avaliação de maneira pouco objetiva. O economista imagina que, se conseguirem fazer um piloto numa cidade de pequeno ou médio porte, há chances de gerar um case com apelo para ser replicado por outros governos.
“O grande lance vai ser achar um Prefeito maluco que tope testar. Tudo o que a gente descobrir será publicado. Por outro lado, o Prefeito vai ter, de graça, a oportunidade de ter uma resposta muito grande da população. Se a situação for muito ruim, pode ainda colocar a culpa no gestor anterior e aproveitar o indicador para melhorar”, calcula.
De volta aos estudos: administração pública e business
Atualmente, Bruno vem dedicando-se parcialmente ao Projeto Brasil. Aproveita as férias do mestrado, que vem cursando desde agosto de 2014, para trabalhar no projeto de forma mais intensiva. O economista está morando em Cambridge, nos Estados Unidos, onde cursa o MBA – já previsto na carreira da McKinsey – no Massachusetts Institute of Technology (MIT), e, em paralelo, frequenta o mestrado em administração pública (MPA) na Universidade Harvard. Como foi aprovado para o MBA antes do MPA, irá concluir o curso em três anos – quando volta para a consultoria, que custeou parte de seus estudos.
O jovem só tem visto vantagens na dupla formação. Primeiro porque quer ter a possibilidade de atuar na esfera pública, ao longo da vida, a partir de diferentes posições no governo ou no setor privado. Em segundo lugar, porque o perfil dos cursos é complementar: “No MBA, as aulas muitas vezes são focadas em casos. Já no MPA, são mais teóricas e questionadoras”, comenta.
Além disso, nos dois cursos Bruno convive com pessoas de meios muito diversos – enquanto na escola de administração do MIT desfruta da companhia de gente interessada sobretudo em empreendedorismo social e impact investing, na escola de governo de Harvard tem como colegas pessoas que atuam em governos, ONGs e entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas e o Banco Mundial.
A rede de contatos acumulada nas duas escolas foi útil, inclusive, para dar mais projeção à Brazil Conference, evento voltado à busca de soluções para problemas atuais do Brasil que, este ano, teve a organização coordenada por Bruno e outras duas pessoas. Nas aulas de empreendedorismo do MBA,o economista já teve alguns insights para o Projeto Brasil: entre eles, a importância de ter uma equipe mais enxuta – hoje com apenas três pessoas, no lugar das oito iniciais – e de distribuir a participação na empresa de forma a motivar aqueles que dispõem de mais tempo de dedicação – e não em partes iguais, como fizeram no início, porque era mais simples.
Já nas aulas do MPA, vem ampliando seus horizontes, “conhecendo um pouco de tudo” – o que inclui estudos sobre democracia, sistemas políticos, educação, transporte público, violência e desigualdade –, além de fortalecer uma vontade que já vem alimentando há algum tempo: entrar para a política.
“Após as atuações no governo, percebi que a política brasileira tem vários problemas, principalmente a falta de transparência e de instrumentos efetivos de participação da população. Desde então, venho tentando transformar a política do ‘lado de fora’, via iniciativas como o Projeto Brasil, mas cada vez mais estou convencido de que precisamos de mais pessoas querendo transformar a política ‘por dentro’”, justifica.
Encontro com a política
No mestrado em administração pública, Bruno tem frequentado algumas aulas especificamente voltadas a aspectos da vida política – entre elas, uma com o sugestivo nome de The Making of a Politician – em que aprende a debater, falar em público, dar entrevistas, negociar e planejar uma campanha eleitoral. Numa atividade, pôde presenciar a simulação de uma negociação de terras entre um embaixador de Israel e o “número 2 ou 3 da Palestina”, seus colegas de turma.
“Parecia uma discussão real. São coisas que a gente vê na mídia e de repente está acontecendo na sua frente. Foi super enriquecedor”, conta. As provocações de um professor – segundo o qual a tão disseminada ideia de que “nenhum político presta” é “propaganda dos políticos ruins para fazer reserva de mercado”, incentivando os alunos a ocuparem seus lugares – também têm lhe deixado instigado.
“Sempre pensei em me tornar Secretário ou Ministro, algum dia, talvez assumir um cargo no Executivo, mas nunca em mexer com ‘política para valer’. Hoje minha cabeça é completamente diferente: já vejo grande valor no Legislativo e até acho que é importante para quem assume um cargo Executivo ter experiência no Legislativo para entender como funcionam os dois mundos”, analisa o jovem, que pretende se candidatar nas eleições de 2022, provavelmente ao posto de deputado estadual por Minas Gerais.
Alternância de carreira
Embora queira dar sua contribuição para a vida pública atuando também em cargos eletivos, Bruno diz que não pretende traçar uma carreira de trinta anos na política. “Acho que é importante ter menos políticos de profissão. Penso que os políticos deveriam ter alternativa de sair dos seus cargos, ter como tirar o ganha pão de outro lugar. Se não, acaba tendo incentivos errados.”
Aos jovens que, como ele, querem trabalhar no setor público, Bruno aconselha: “Não deixe que os preconceitos e medos de trabalhar com gestão pública ou com política bloqueiem você. Os desafios são gigantescos, mas os aprendizados também são muito grandes. Não é porque você trabalhou no governo que as empresas não vão te valorizar depois”.
E dá uma dica: “Se você tem intenção de trabalhar no setor público, quanto antes melhor. Depois de muito tempo no setor privado, você começa a achar que é muito bom, que vai entrar no governo e mudar tudo. E não é bem assim. Tenho visto muitas pessoas com essa mentalidade entrando para a gestão pública e quebrando a cara. Há muita coisa importante sobre a democracia que a gente precisa aprender”.