Joyce Queiroz faz parte do programa Líderes Estudar e, atualmente, trabalha na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Seu trabalho atual é fruto da superação de diversos desafios, incluindo o de se destacar e manter sua feminilidade no ambiente militar e masculinizado do Instituto Militar de Engenharia do Rio de Janeiro (IME-RJ). A seguir, ela conta sobre sua experiência:
Joyce Queiroz
Eu nasci em Belo Jardim, no interior de Pernambuco e, desde a infância, meus interesses diferiam da maioria. Como muitas crianças, eu comecei gostando muito de jogar videogame. Para quem se lembra, os hits eram Sonic e Mario Bros. Até que um dia, aos 7 anos de idade, veio-me a curiosidade de saber como este aparelho funcionava, o que me levou a abri-lo com uma chave de fenda. Para desespero do meu pai, resolvi abrir também o aparelho de videocassete e descobri sozinha como funcionava um curto-circuito, inutilizando os dois aparelhos.
Aos 10 anos, já me interessava por computação e pedi para meus pais me matricularem em um curso introdutório de programação (Access e VBA). Desta forma, acho que sempre me vi engenheira da computação. Eu também gostava de matemática, era boa com números. Assim, a escolha pareceu natural. Mas decidir onde estudar foi difícil. Aos 15 anos ouvi falar no Instituto Militar de Engenharia, a escola de engenheiros do Exército. Próxima a minha cidade estava a 10ª Companhia de Engenharia de Combate, cujo trabalho exemplar sempre me fez admirar a carreira militar.
Mas encarar um dos vestibulares mais difíceis do país parecia muito desafiador. A princípio, não tive muita orientação, pois não havia cursinho preparatórios no interior de Pernambuco. A única (e importante) recomendação foi estudar matemática pelos livros do [Gelson] Iezzi. Assim, sem o preparo adequado, fui reprovada no primeiro vestibular do IME que prestei. Mas meu esforço me rendeu bons frutos pois fui aprovada no vestibular da UFPE, o que me fez me mudar para Recife junto com meus pais.
Em Recife, estudei os dois anos no curso básico de engenharias (famosa Área 2!), cada vez mais encantada com a carreira. No entanto, apesar da UFPE ser uma escola magnífica, o meu sonho do IME permanecia, razão pela qual me matriculei em um cursinho específico, para tentar mais duas vezes o vestibular, sendo aprovada na terceira tentativa.
Chegando no instituto
Ao chegar ao IME em 2007, deparei-me com desafios que iam além dos livros de cálculo. Ser mulher nas forças armadas era um desafio adicional. Única representante feminina da especialidade de computação, recebi um grande apoio das veteranas (famosa sororidade), que me ensinaram desde como fazer um bom coque, até como me impor num ambiente tão masculino.
Mas a lição mais importante que aprendi foi que eu não precisava renunciar à minha feminilidade e características próprias para ser reconhecida. Assim, à farda varonil, acrescentei a pinça na cintura e o batom cor de nude. Mas não foi uma jornada fácil. Precisei estudar duas vezes mais que todos para me tornar primeira da turma e poder comandar um pelotão pela primeira vez. Até que percebi que meu lugar não era no exército, e me desliguei, continuando a graduação no IME como aluna civil.
Ao entregar a farda, perdi o direito ao alojamento, passando a morar em uma república com outras três veteranas, as Meninas do QEM (Quadro dos Engenheiros Militares), que são minhas amigas até hoje. Também perdi o soldo militar, razão pela qual iniciei minha carreira profissional civil em um estágio no mercado financeiro, outro ambiente extremamente masculino e desafiador. Ser competitivo e agressivo (à la Lobo de Wall Street) eram características desejáveis e até exigidas. E eu, sempre com a voz mansa e conciliadora acabei tendo dificuldades de me adaptar.
Novos horizontes
Em 2010 fui aprovada no processo seletivo da Fundação Estudar, e com o seu apoio financeiro, pude me matricular em um curso de Business English de três meses em Manchester, Reino Unido. Pude estudar com pessoas de todo o mundo, o que foi uma experiência marcante.
Ao me formar em 2011, migrei para área de consultoria estratégica, indo trabalhar em São Paulo numa multinacional chamada The Boston Consulting Group (BCG). Lá encontrei uma rede de mulheres ativa e apoiadora, que me deu todo o suporte para desenvolver habilidades técnicas e socioemocionais tão importantes para a carreira.
Mas algo ainda me incomodava. Eu queria fazer a diferença na região onde nasci e me criei. Por isso, prestei concurso para a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste e retornei para Recife em 2014. Trabalho na Sudene até hoje, no fomento à Ciência, Tecnologia e Inovação no Nordeste.