Estudantes de programas de graduação e pós de Harvard, Stanford e outras universidades dos Estados Unidos estão solicitando descontos nos valores de tuition dos programas. Os estudantes argumentam que a experiência dos programas foi prejudicada pela pandemia do COVID-19, que fez com que as universidades transferissem suas aulas para o formato online, e que por isso não é justo que as universidades cobrem o valor integral dos cursos.
Conforme reportado por sites como o Financial Times e o Market Watch, demandas semelhantes surgiram em universidades como Harvard, Stanford, Tufts, Northwestern, University of Pennsylvania e Duke. Em todos os casos, os alunos argumentam que a experiência das aulas online não é a mesma das aulas presenciais e, por isso, não deveria custar a mesma coisa.
MBA sem networking?
Quando a pandemia do COVID-19 chegou aos Estados Unidos, uma das primeiras medidas que a Universidade Stanford adotou foi transferir todas as suas aulas para o ambiente online. Como resultado, os alunos de MBA da Graduate Business School da universidade — uma das escolas de negócios mais renomadas do mundo — se viram diante de uma experiência mais parecida com um curso online do que com um MBA de alto calibre.
Djalma Rezende, brasileiro que está atualmente no segundo ano do MBA da escola, argumenta que embora as aulas online pelo Zoom funcionem bem, “a questão é que o MBA é muito mais do que isso”. “[O MBA] É muito para você ter contato com outras pessoas, que vem de vários lugares do mundo e com culturas diferentes, mas todas com um potencial e uma capacidade enormes”, argumenta.
Experiência diferente
O brasileiro está atualmente no último dos trimestres da universidade. Ele faria sua formatura do MBA de Stanford no dia 14 de junho. O evento, no entanto, foi postergado para junho de 2021, mas ainda pode sofrer alterações. “É aquele evento tradicional com todo mundo de beca, que vem pessoas famosas fazer discursos“, comenta Djalma, lamentando o cancelamento.
Outros eventos também deixarão de ocorrer, ao menos em seu formato tradicional, devido à pandemia. É o caso do View From The Top, uma série de entrevistas conduzidas pelos alunos do MBA com líderes de negócios do mundo todo, e do Challenge for Charity (C4C), um evento de trabalho voluntário e arrecadação de fundos que os alunos organizam e do qual participam.
Djalma também comenta que acabou não escolhendo algumas aulas optativas que gostaria de fazer por causa da mudança para o formato online. Uma delas é a “Acting for non-majors“, uma disciplina de artes cênicas voltadas para profissionais de outras áreas. “Assisti a primeira aula e adoraria ter feito ao vivo, mas online não dá”, comenta.
Outra delas é a disciplina chamada “Interpersonal Dynamics“, apelidada pelos estudantes de “touchy-feely” e eleita por 45 anos seguidos a eletiva mais popular de Stanford. Ela é voltada justamente para o desenvolvimento de dinâmicas interpessoais, em grupos de 12 pessoas, com facilitadores treinados pela própria universidade. “É uma experiência essencial do MBA, e a gente vai perder”, lamenta.
Abaixo-assinado
Os alunos do MBA de Stanford criaram um abaixo-assinado, dirigido aos reitores da universidade e diretores do programa, para solicitar formalmente o desconto no valor da anuidade. Atualmente, o documento conta com mais de 770 assinaturas. Outro abaixo-assinado semelhante, criado para alunos da universidade em geral, conta com quase 1.800 assinaturas, o que representa aproximandamente 10% dos alunos da universidade.
Na solicitação da turma de MBA, os alunos comentam que a experiência de estudos de um MBA online é “dramaticamente inferior” à experiência presencial. Além disso, eles ressaltam que a própria universidade oferece um programa online de pós-graduação em negócios chamado LEAD.
Esse programa online, no entanto, tem um custo de US$ 15 mil de tuition, contra os US$ 75 mil por ano do MBA presencial. “Um desconto de 80%”, notam os autores do abaixo-assinado. Harvard, ressaltam, também oferece alternativas online de cursos de egócios com preços que vão de 70% a 94% do valor de seu MBA presencial.
Diante disso, os estudantes propõem que a universidade reduza em 80% o valor de anuidades cobradas durante o período de isolamento social. Solicitam também uma reunião com o reitor da escola de negócios para falar sobre o desconto.
Embora reconheçam que os custos podem não ter mudado consideravelmente com a tranferência das aulas para o Zoom, eles lembram que a instituição tem recursos para arcar com as despesas.
Em seu site, a universidade declara que tem um endowment fund (fundo criado com doações de ex-alunos) de US$ 27,7 bilhões. “Qual é o propósito desse fundo de bilhões de dólares em doações se não for nos dar espaço em tempos de uma crise como essa?”, questinoam os autores do abaixo-assinado.
Resposta da universidade
Nas palavras de Djalma, os representantes de Stanford “foram muito duros até agora”. Nos encontros já realizados com os estudantes, a universidade negou a possibilidade de oferecer qualquer desconto.
O texto do abaixo-assinado indica que a universidade propôs atrasar em seis meses as aulas (e a formatura) dos estudantes. Essa proposta, porém, não foi bem recebida pelos alunos, uma vez que ela atrasaria em mais seis meses a possibilidade dos alunos de se empregarem em tempo integral, o que poderia criar “um peso financeiro significativo” para eles, segundo o documento.
Argumentos
Segundo Djalma, a instituição argumenta que embora tenha um endowment fund de quase 28 bilhões de dólares, 70% desse valor já está comprometido — são montantes doados com uma finalidade específica, estabelecida pelo doador (como construir um novo prédio ou oferecer bolsas de estudo, por exemplo).
Além disso, a instituição também afirma, de acordo com Djalma, que o valor de US$ 75 mil por ano que ela cobra de anuidade já seria subsidiado, e portanto insuficiente para cobrir os custos dos estudos. Custos estes, aliás, que não teriam sido muito alterados com a mudança para as aulas online.
O estudante brasileiro acredita que será difícil mudar essa postura da instituição. Além disso, ele imagina que os diretores de universidades como Stanford e Harvard devem estar conversando entre si para decidir conjuntamente o que fazer. “Porque uma vez que uma delas fizer alguma coisa, isso abre um precedente e as outras também terão que fazer” avalia.
Lado positivo
Por outro lado, Djalma considera que a mudança das aulas para o formato virtual teve aspectos positivos. O principal deles foi a própria qualidade das aulas. “Eu tinha expectativas muito baixas, mas foi bem melhor”, reconhece. Isso em parte pelo comprometimento dos professores, mas também pela infraestrutura robusta e competente que a universidade oferece.
Além disso, ele ressalta que os próprios estudantes criaram uma série de iniciativas para continuar a se encontrar e interagir mesmo sem poder sair de suas habitações. Reunidas sob o nome de “Team Positivity Contagion“, essa série de reuniões informais já contou com mais de 900 participantes e mais de 80 eventos cadastrados, além de ter inspirado outros dois programas de MBA a criar eventos semelhantes.
Dentre esses eventos estão aulas de ginástica organizadas por alunos para manter-se fisicamente ativos durante a quarentena, charadas de lógica discutidas em grupo e sessões de apresentação de filhos e animais de estimação da turma.
Djalma também comenta que o grupo criou um link chamado “Town Square” (algo como “praça da cidade”). Esse é um link constantemente ativo em que qualquer pessoa da turma pode entrar, a qualquer momento, para bater papo com quem mais estiver por lá.
“Isso para mim recuperou um pouco da experiência social [do curso] e me surpreendeu muito positivamente”, comenta Djalma. “Foi o pessoal fazendo dos limões uma limonada. Mostra o que as pessoas boas fazem quando têm um problema”, conclui.