Direito e tecnologia são duas áreas que parecem não ter uma relação imediata. Mas se você algum dia já clicou em “li os termos de uso e estou de acordo” (ou algo do tipo) antes de cadastrar em algum site ou aplicativo, é bem possível que você tenha passado pela interseção entre as duas áreas sem nem perceber! E essa interseção guarda muitos temas interessantes de estudo, além de oportunidades profissionais.
É a área na qual Maria Godoy, advogada, mentora e consultora em privacidade, trabalha atualmente. Ela chegou nessa encruzilhada de disciplinas por uma trajetória internacional bem interessante, sobre a qual você pode ler mais a seguir!
Mestrado no Canadá
Maria graduou-se em Direito em 2013 e, nesse mesmo ano, fez um intercâmbio no Canadá. Surgiu daí a vontade de conhecer melhor o país e trabalhar por lá. “A decisão de cursar o mestrado veio como um passo para recomeçar minha carreira aqui no Canadá. Por ser da área jurídica, tinha receio de não conseguir me recolocar apenas com formação brasileira”, relembra.
Por isso, optou por cursar o mestrado em Direito Internacional na Universidade de Montreal. Um dos fatores que motivou essa escolha, ela diz, foi a clareza na apresentação das informações dos programas. “Também me chamou a atenção a existência de um grupo de brasileiros engajados a ajudar durante o processo de admissão e que já haviam passado por essa experiência aqui também”. Finalmente, ela preferia estudar em francês, que era o idioma do curso na universidade.
Uma nova área
Já no primeiro trismestre de estudos, Maria se interessou pela possibilidade de estudar privacidade e proteção de dados. “Comecei a ter aulas uma professora considerada uma das melhores 25 advogadas do país na época. Ela me mostrou essa outra área”, conta. Com isso, já no trimestre seguinte, começou no novo programa.
Estudando Direito e Tecnologia, Maria viu uma série de novos caminhos possíveis: ” as implicações do uso de inteligência artificial; responsabilidade civil de empresas de tecnologia; contratos de tecnologia; propriedade intelectual; blockchain e contratos inteligentes”, enumera. Mas acabou focando em privacidade.
Leia também: Pós-graduação em Direito no exterior: Qual a diferença entre LL.M. e mestrado?
Na visão dela, o assunto “está no dia a dia de todos”. “Por exemplo, ao acessarmos uma rede social compartilhamos nossos dados não apenas com os nossos contatos, mas também com a empresa que nos fornece a plataforma, e, a depender das políticas dessa empresa, com terceiros para os quais ela envia nossos dados”. Profissionais da área dela buscam garantir os direitos dos usuários e fazer empresas agirem dentro da lei.
Novos desafios
Mas para avançar nesse novo campo, Maria teve que dominar assuntos sobre os quais não tinha conhecimento aprofundado. “Tive que entender terminologias até então totalmente desconhecidas, nada relacionadas aos termos jurídicos, mas, sim, ligadas à área de tecnologia e segurança da informação, por exemplo”, relata.
Outro tópico que ela teve que estudar foi o “Legal Design”: ferramentas e métodos “para comunicar melhor o Direito àqueles que não são da área jurídica”. Isso é necessário pois muito de seu trabalho se dá ao lado de profissionais de outras áreas (TI, Marketing, RH, etc.), para os quais a terminologia jurídica não fica nada clara.
Fora isso, ela teve que aprender a trabalhar com bases de dados, e acredita que esse tipo de exercício — de aprender novos temas, aparentemente distantes do Direito — será um exercício constante daqui para frente. “Por ser uma área que involve inovação de ponta, é preciso estudar diariamente conteúdos muito diversificados”, avalia.
Próximos passos
Atualmente, Maria trabalha como analista de privacidade de dados numa empresa em Montreal. Ao mesmo tempo, publicou livros com advogados brasileiros e dá palestras e mentorias online com brasileiros. “Não tenho muitas dúvidas de que se optasse por retornar ao país hoje teria um caminho sólido graças à minha formação e prática aqui”, comenta.
Para quem se interessa pela área, a primeira dica dela é manter-se constantemente atualizado sobre o mercado de tecnologia. Como as ferramentas de privacidade andam junto com esse mercado, é preciso estar sempre ciente do que acontece nele. “Pode ser clichê, mas é real”, confirma.
Além disso, ela também recomenda que a pessoa mantenha a mente aberta para a natureza interdisciplinar da área, e acostume-se ao fato de que ela não costuma oferecer respostas prontas. “As regulações são muito novas ainda e as mudanças muito constantes. Isso faz com que desafios novos surjam todos os dias e que as respostas para eles ainda sejam desconhecidas. Cabe a nós descobrí-las”, conclui.