A pandemia do coronavírus (ou COVID-19), que teve início na China no fim de 2019 e hoje já é responsável por milhares de mortes em diversos países, pode dar a impressão de que não há nada que se possa fazer contra ela. No entanto, há diversas maneiras de combater essa pandemia — assim como outras que venham a surgir — e as universidades têm um papel central em muitas delas.
A gente pode não se dar conta, mas só de ficar em casa e higienizar as mãos com frequência, já estamos aplicando conhecimentos científicos provenientes de universidades para combater a pandemia. E como a Harvard Gazette destacou recentemente, há diversas frentes em que as universidades podem ajudar a conter a doença.
Harvard é responsável por diversas pesquisas relacionadas ao COVID-19, desde a tecnologia por trás de alguns testes até estudos de como o vírus afeta o sistema imunológico. E uma iniciativa recém-formada, liderada pela Harvard Medical School (HMS), pretende estudar a pandemia de diversas maneiras para impedir que ela afete ainda mais pessoas.
Confira, a seguir, as seis áreas em que as universidades estão atuando para ajudar a combater a pandemia do COVID-19:
Seis frentes em que as universidades podem combater o coronavírus
Patogênese
A patogênese de uma doença é, de maneira geral, o entendimento de como ela “funciona”. Ou seja: quando uma pessoa é infectada pelo coronavírus, o que acontece com ela, exatamente? Por que a doença causa tosse seca e falta de ar? A resposta a essas perguntas é essencial para que tratamentos adequados possam ser desenvolvidos.
De acordo com o professor de microbiologia e genética molecular de Harvard, David Knipe (um dos responsáveis por estudar a pandemia do COVID-19 na universidade), uma das grandes questões sobre esse vírus é como ele provoca uma inflamação tão forte nas vias aéreas. “Precisamos entender os mecanismos dessa doença, porque esse conhecimento informa todo o resto”, comenta.
Diagnóstico
Nem toda pessoa que tem tosse, febre e dificuldade de respirar está com COVID-19. Para tratar e prevenir adequadamente a doença, é essencial ter testes que digam com precisão quando uma pessoa está infectada. E desenvolver testes desse tipo exige muito trabalho de pesquisa. Nos EUA, por exemplo, uma leva inicial de testes tinha um reagente problemático que levava a resultados inconclusivos.
Segundo a Harvard Gazette, três áreas estão sendo pesquisadas para melhorar nossa detecção da doença. Testes ultra-sensíveis que consigam detectar até mesmo quantidades muito pequenas do vírus, testes que consigam detectar biomarcadores que aparecem antes dos sintomas mais graves (para agilizar o tratamento desses sintomas) e testes de anticorpos que consigam identificar pessoas que se recuperaram do COVID-19 e se tornaram imunes à doença.
Epidemiologia
A epidemiologia é o trabalho de monitorar e antever o comportamento da doença entre as pessoas. Nas palavras da Harvard Gazette, é o esforço de “criar um retrato detalhado de um inimigo invisível”. Esse esforço envolve responder a perguntas como: quão transmissível é esse vírus? Quem tem maior probabilidade de contraí-lo? Qual é o risco de complicações graves ou de morte? Como a transmissão da doença muda de acordo com o local, o tempo ou o clima?
É respondendo a essas questões que as autoridades de saúde pública determinam as melhores medidas, em escala social, para combater a pandemia. Determinações como isolamento social, fechamento dos comércios e serviços não-essenciais, higienização das mãos sempre que possível e evitar tocar no rosto vem de conhecimentos dessa área.
Terapias antivirais
Prevenir seria o ideal, mas caso não seja possível, é necessário remediar. E a “cura” do COVID-19 envolve várias etapas: além de aliviar os sintomas da doença, também pode evitar as complicações mais graves que ela pode gerar. E, finalmente, ajudar a combater o microorganismo responsável por todas essas complicações.
Para isso, é possível usar técnicas e medicações cuja eficácia e método de funcionamento já são conhecidos. Mas também é necessário criar novos agentes antivirais do zero, a partir de um entendimento do vírus no nível molecular. É a partir desse entendimento que se torna possível criar um “remédio” para curar o COVID-19
Tratamentos a base de anticorpos
Outro método para curar pessoas infectadas envolve o uso de anticorpos. Em Harvard, os esforços para buscar curas desse tipo são liderados pelo biólogo molecular Jonathan Abraham. Abraham está atualmente fazendo pesquisa que envolve isolar os anticorpos de indivíduos que estão se recuperando da doença para entender como eles agem para proteger o organismo.
Esses anticorpos podem, eles próprios, serem usados para tratar a doença. Outra opção é buscar uma maneira de reproduzir em laboratório esses anticorpos, o que poderia ajudar na recuperação até mesmo de pessoas em estágios mais avançados da doença. E para ajudar nesse processo, as universidades podem recorrer a “bibliotecas” de anticorpos já conhecidos — já há mais de 27 bilhões de anticorpos diferentes catalogados.
Vacina
Claro, a maneira mais confiável de conter uma doença desse tipo é uma vacina. Expondo as pessoas a uma dose controlada do agente da doença, é possível estimular a produção de anticorpos antes de que os sintomas da doença se manifestem. E, com isso, a pessoa que recebe a vacina fica permanentemente imunizada contra o vírus.
O braço de desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus em Harvard está sendo dirigido por Dan Barouch, que acredita que “o potencial (do COVID-19) para uma disseminação explosiva e assintomática aumentam as chances de que uma vacina possa ser necessária para acabar com essa epidemia”. No entanto, mesmo com esforços dedicados, a vacina ainda pode estar a meses de distância.
Outras iniciativas já tomadas
Curso online de Harvard para profissionais da saúde
A plataforma edX, que oferece uma série de cursos online de universidades como Harvard e MIT, respondeu à pandemia criando um curso específico para profissionais da saúde. Com o título de “Mechanical Ventilation for COVID-19”, curso tem o objetivo de oferecer rapidamente um conhecimento básico sobre ventilação mecânica.
O procedimento, que usa respiradores pulmonares, é frequentemente usado no tratamento de pacientes do COVID-19. E como a demanda por profissionais da saúde capazes de realizá-lo deve se manter alta nos próximos meses, a plataforma disponibilizou esse curso para aumentar o número de pessoas com esse conhecimento. O curso tem duração de 2 a 5 horas e pode ser feito online, gratuitamente.
Formatura antecipada de médicos
Também com a intenção de colocar mais médicos à disposição do sistema de saúde, universidades de Nova York (o epicentro do COVID-19 nos EUA), como Columbia e New York University (NYU), estão adiantando em alguns meses a formatura de seus estudantes de Medicina. A ideia é que eles se tornem capazes de iniciar seu período de residência em hospitais da região a tempo de ajudar na luta contra a pandemia no momento crítico.
Segundo o Business Insider, 69 alunos da turma de 122 estudantes de Medicina da NYU se dispuseram a se formar mais cedo para trabalhar nos hospitais da região. O estado tem mais de 20 mil casos confirmados de COVID-19. Universidades do estado de Massachusetts como Harvard, Tufts, Boston University e University of Massachusetts, também estão estudando a medida. Por lá, são mais de 2.400 casos confirmados da doença.
Produção massiva de EPIs
No estado do Maine, nos EUA, a crise do COVID-19 levou a uma falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) para profissionais da saúde. Para auxiliar na solução desse problema, a universidade local Bowdoin College está usando impressoras 3D para produzir um visor ao qual podem ser encaixadas lâminas de plástico. De acordo com o Bangor Daily News, a impressão de cada visor leva cerca de duas horas e meia, e todas as pessoas da comunidade acadêmica que tiverem uma impressora 3D podem contribuir para o esforço.
O MIT, por sua vez, desenvolveu uma técnica diferente, que utiliza máquinas capazes de cortar folhas de plástico em padrões precisos. O instituto criou uma maneira de cortar as folhas que permite que os médicos as dobrem para formar uma máscara descartável. O processo permite produzir milhares dessas máscaras por hora, o que é necessário: segundo a universidade, serão necessárias dezenas de milhões de máscaras descartáveis nos próximos meses.
Auxílio aos prefeitos
No Brasil e em outros locais do mundo, são os poderes locais (como prefeitos e governadores) que estão assumindo a liderança no combate ao COVID-19. Para auxiliar essas lideranças locais, Harvard está conduzindo encontros online semanais com especialistas da Bloomberg Harvard City Leadership Initiative.
Embora os encontros sejam apenas para prefeitos e outros administradores públicos, a universidade está disponibilizando os dados e as discussões apresentadas nesses encontros em um site dedicado. A iniciativa também está oferecendo um programa de formação de um ano de duração para prefeitos de algumas cidades, também com a intenção de fortalecer lideranças locais.
E no Brasil?
No Brasil, as pesquisas de combate e prevenção contra o coronavírus tem sido lideradas por universidades e organizações de pesquisa públicas. Menos de 48 horas após a confirmação do primeiro caso no Brasil, pesquisadoras da Faculdade de Medicina da USP dentro do Instituto Adolfo Lutz sequenciaram o genoma do vírus — um ritmo mais ágil do que em países como Reino Unido e Estados Unidos.
A Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, já começou a pesquisar uma possível vacina contra o coronavírus diferente da que vem sendo desenvolvida nos EUA. A vacina brasileira usa uma tecnologia que ja possui histórico de uso e tende a gerar respostas mais consistentes em comparação com as vacinas que usam a tecnologia da dos EUA.
A Escola Politécnica da USP, por sua vez, está desenvolvendo um projeto que permitirá que empresas credenciadas pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) adquiram respiradores a um custo de R$ 1.000. Normalmente, esses equipamentos custam quinze vezes mais.
Considerando que o pico de infecções do coronavírus pode gerar uma demanda imensa por respiradores, a medida é essencial para evitar (ou amenizar) a sobrecarga do nosso sistema de saúde. Também por esse motivo, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) tem um projeto semelhante de produção em massa de respiradores pulmonares.
Essa resposta das universidades, no entanto, tem sido prejudicada pelos sucessivos cortes de salários de pesquisadores das instituições. Na Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, um dos pesquisadores que trabalhava no esforço de entendimento, prevenção e cura do coronavírus no Laboratório de Virologia da instituição teve sua bolsa cortada pela CAPES, segundo a BBC.