Por Lucas Hackradt, especialista em Aprendizagem Intercultural
Esta semana resolvi falar sobre um tema que já virou até jargão. O tal do choque cultural. Muito provavelmente nove em cada dez pessoas que já tiveram, ou terão, alguma experiência no exterior já ouviram falar nessa expressão e já foram de alguma forma introduzidos a este conceito.
Para entender melhor o que é choque cultural, minha analogia favorita é a do modelo de cultura desenvolvido pelo antropólogo estadunidense Edward T. Hall. Ele metaforizou o conceito de cultura como sendo um Iceberg. Sobre a superfície do oceano está apenas a ponta do Iceberg; só 10% da grande pedra de gelo, que é o que nós conseguimos enxergar. Abaixo da superfície, nas profundezas, os outros 90% se escondem. A imagem, famosa mundo afora, é esta: (não consegui achar uma versão em português, mas é um inglês simples).
Como vocês podem ver, de acordo com a definição de Hall, quando nós vamos estudar fora e conhecemos pessoas de outros lugares, a princípio nós só conseguimos enxergar o que existe de mais superficial em suas culturas. Não é à toa que costumamos cair em estereótipos e dizer que americanos só comem fast-food, ou que alemães são sempre pontuais, ou que franceses não gostam de tomar banho. A verdade, no entanto, é que os valores realmente importantes das culturas estão baixo da superfície, em um lugar que nós dificilmente conseguimos enxergar.
Voltando à imagem do iceberg, imaginem como seria o iceberg brasileiro. Teríamos no topo coisas como samba, carnaval, caipirinha, futebol… E na nossa base? Alguns valores do brasileiro, como informalidade, coletivismo e família comporiam a parte maior a mais sólida do nosso iceberg, e estariam todas escondidas.
Imaginem agora, por exemplo, o iceberg dos Estados Unidos, país para o qual muitos podem ir estudar. No topo estaria o fast-food, seriados, mas na base, sólida e maciça, estariam valores como o individualismo, capitalismo e a formalidade para negócios.
A graça desse modelo é que imaginar como é a situação de “choque” – e daí a expressão choque cultural – é fácil. A cultura brasileira, ou o iceberg brasileiro, está calmamente flutuando no oceano em direção à cultura americana – o iceberg dos EUA. Para quem vê de cima da superfície, as duas pedras de gelo podem até estar próximas, porém sem se encostar. Mas quem está mergulhando verá que é justamente as bases dos icebergs, os valores mais enraizados em cada cultura, que se colidem primeiro.
Usando o meu exemplo, dois valores que se chocariam seriam o individualismo americano e o coletivismo brasileiro. Para o estudante brasileiro que vai aos EUA, esse choque de valores pode ser sentido rapidamente pela dificuldade em se fazer amigos de verdade, pelo alto grau de independência e pela forma como a maioria dos americanos encara a vida. Já para eles, pode soar estranho que aos 20 e poucos anos muitos de nós ainda more em casa. O importante, em um caso de choque como este, é conversar sobre o assunto e procurar entender os diferentes valores de cada cultura – que nem sempre serão tão claros como o exemplo que acabo de dar.
É claro também que a expressão “choque cultural” tem inúmeras outras interpretações de diversas outras áreas de estudo. O termo também pode ser compreendido pela fase de turbulência emocional pela qual toda e qualquer pessoa que vive no exterior passa durante sua adaptação. Mas, com o Iceberg, é importante perceber que, não importa por quanto tempo você esteja se predispondo a estudar fora, inevitavelmente um choque entre duas culturas acontecerá. E para conseguir superá-lo e aprender com sua experiência, você deve ter consciência de que não é a língua, a dança ou a comida brasileira versus a de seu país hospedeiro que mais vai lhe dar dor de cabeça, mas os valores mais intrínsecos àquela cultura.
Se alguém quiser ler mais sobre o assunto ou se inteirar, recomendo visitar o website do AFS Intercultural Programs e ler algumas das matérias intitulados “ICL… for Friends of AFS” ou ainda procurar um dos livros de Edward T. Hall.
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Lucas Hackradt – Colunista sobre a aprendizagem em experiências de intercâmbio
Sou formado em Comunicação Social, mas trabalho na área de educação intercultural desde 2007, quando me tornei voluntário do AFS Intercultura Brasil. Trabalhei na Globo, GloboNews e na Editora Globo como repórter da Revista ÉPOCA, e desde março deste ano integro o quadro de funcionários do AFS no Brasil como Especialista em Aprendizagem Intercultural, ligado à área de Desenvolvimento Organizacional da ONG. Já passei por diversos treinamentos e capacitações na área de educação intercultural, gerenciamento de conflitos culturais e estudos de comunicação intercultural. Já morei em quatro países, o mais recente dos quais Moçambique, na África, aonde desenvolvi projetos de desenvolvimento social sempre atrelados à questão da Interculturalidade. Me guio por uma frase simples: no mundo, nada é pior, nada é melhor, tudo é simplesmente diferente. E ser diferente é legal!