Setembro amarelo: confira dicas para cuidar da saúde mental durante o intercâmbio
A experiência que um intercâmbio proporciona é sempre enriquecedora, mas também pode ser exigente. Ficar longe da família e dos amigos, adaptar-se a um local diferente, comunicar-se numa língua estrangeira — todos esses fatores podem ter um custo em termos de saúde mental. Por isso, e para marcar o Setembro Amarelo, conversamos com uma psiquiatra para dar dicas de como cuidar da saúde mental durante o intercâmbio — e algumas dicas para antes e depois também!
Beatriz Ravagnani, psiquiatra especializada no atendimento de crianças e adolescentes, entende do assunto não só por causa da sua área de estudos. Ela própria já fez intercâmbio em três oportunidades diferentes. Na primeira delas, quando foi para os Estados Unidos, conta que teve bastante dificuldade. “Fiquei só um mês, foi bem rápido, mas eu não sabia nada da língua, então foi muito tenso”, lembra.
Nas outras vezes em que estudou fora, já tinha mais maturidade e conseguiu aproveitar ainda melhor a experiência. Pensando nos fatores que a ajudaram a curtir a viagem e nos temas que estudou, ela consegue oferecer uma série de dicas de saúde mental durante o intercâmbio, para quem está indo viajar.
A principal delas, no entanto, é a seguinte: “Se você se sentir muito mal, não tenha medo de buscar ajuda. É comum ter medo, vergonha, sentir culpa ou achar que essa sensação ruim não é válida, que você precisa superar sozinha, mas buscar ajuda é essencial”, diz.
Antes do intercâmbio
Se você fica ansioso só de pensar no momento da despedida antes de ir para o intercâmbio, saiba que isso é normal. E de acordo com Beatriz, é uma sensação importante. “É normal você estar preocupado com o que vai acontecer, faz parte mesmo. E é até uma forma de lidar com a situação”, avalia.
Na visão dela, o intercâmbio é uma experiência maravilhosa e que vale a pena. Mas fato de que poucas pessoas falam sobre as dificuldades envolvidas no processo pode dar a impressão de que esses sentimentos não são válidos — o que não é um caso.
“Você perde, por exemplo, o suporte da sua família, sua rede de apoio, sua rotina, o contato com seus amigos… Às vezes até a sua sensação de identidade pode ficar embaçada, porque as pessoas ao seu redor são parte disso também”, comenta.
Superar essas perdas é um desafio considerável, mas que vale a pena. E há algumas medidas que podem ajudar nesse processo:
1 – Pesquise os recursos de saúde mental disponíveis no seu destino
Uma atitude que pode tranquilizar um pouco a ansiedade antes de partir é pesquisar onde você poderá pedir ajuda caso sua saúde mental esteja muito prejudicada. Essa pesquisa pode ser feita junto à agência de intercâmbio, à escola ou à universidade que vai te receber no país de destino.
Esses recursos podem ser desde grupos de apoio formados por outros estrangeiros até atendimento médico propriamente. Em todo caso, é importante saber como localizá-los em caso de necessidade. E fazer essa pesquisa com antecedência pode tranquilizar o intercambista antes da partida. Além disso, Beatriz considera que “se a pessoa já tem algum transtorno, é essencial que ela se prepare”.
2 – Converse com pessoas que já foram para lá
Encontrar brasileiros que já estiveram no país para onde você vai é uma ótima maneira de se preparar. Quem já esteve lá vai saber dizer quais são os principais pontos de dificuldade na hora da adaptação, e deve ser capaz de dar dicas sobre como contornar essas dificuldades.
Segundo Beatriz, o essencial é “tentar saber o máximo antes de ir, especialmente sobre como as pessoas se relacionam, como elas costumam fazer amizade”. Isso porque criar contatos com outras pessoas é um passo importante da adaptação no novo país, ainda que às vezes haja diferenças culturais que tornem esse processo mais complicado.
3 – Comece a criar uma rede de apoio
Sua “rede de apoio” são as pessoas com quem você pode contar caso não esteja se sentindo muito bem. No Brasil, provavelmente são seus parentes e amigos. No intercâmbio, essas pessoas estarão longe, e o acesso a elas será limitado. Por isso é importante criar uma rede de apoio por lá. E felizmente, hoje em dia, é possível começar a fazer isso antes mesmo de entrar no avião.
“É muito importante você pesquisar a escola ou faculdade onde vai estudar. Hoje em dia, na internet, você já pode entrar em grupos, trocar mensagens”, comenta Beatriz. Com isso, é possível conhecer pessoas que estarão numa situação semelhante à sua, e já começar a se conectar com elas.
4 – Aceite que há um período de adaptação
É comum imaginar que do momento em que você embarca até o retorno ao lar, o intercâmbio é uma experiência de alegria ininterrupta. Mas esse não é o caso: é comum que o começo seja um período meio difícil, por causa da adaptação. Aceitar isso, de acordo com Beatriz, é um passo importante para começar a superar as dificuldades.
Uma atitude que pode ajudar, nesse sentido, é pensar no início do intercâmbio como o encerramento de um capítulo. Despedir-se dos parentes e amigos e ter uma atitude sincera e aberta quanto às suas expectativas e inseguranças também pode tornar a partida mais leve.
Durante o intercâmbio
A situação de quem acaba de chegar em outro país para ficar bastante tempo e ainda não se adaptou é, muitas vezes, marcada por solidão. E segundo Beatriz, alguns estudos identificam três tipos de solidão: pessoal, social e cultura. A solidão pessoal advém da perda de contato com a família; a solidão social, da perda de contato com os amigos e rede de apoio.
Já a solidão cultural, um pouco mais complexa, vem da perda de contato com referências culturais. É uma espécie de “choque cultural” que pode levar o intercambista a ter uma sensação de que não se encaixa naquele novo ambiente. Ela pode ser agravada pela barreira da linguagem se o intercambista não domina bem o idioma do país de destino.
Todas essas solidões podem criar situações que são gatilhos para a sensação de ansiedade, como dificuldade de falar com outras pessoas, de participar das aulas e de apresentar trabalhos. Mas aqui também há dicas para amenizar essas dificuldades. De maneira geral, elas envolvem ter uma postura mais proativa para se envolver em atividades diferentes e criar novos laços. Confira:
1 – Não tenha medo de pedir ajuda
Já foi falado, mas vale a pena repetir: se as emoções negativas ficarem muito fortes, não tenha medo de procurar ajuda profissional. Converse com a escola, faculdade ou agência à qual o seu intercâmbio está vinculado e informe-se sobre os recursos de apoio à saúde mental que eles oferecem. Esse tipo de apoio pode amenizar imensamente essas sensações negativas e tornar a experiência muito mais positiva. “Em alguns casos, eles têm até tradutores para facilitar o atendimento”, comenta Beatriz.
Mas como saber se a sua saúde mental durante o intercâmbio precisa de ajuda? A regra geral é perceber se ela está interferindo no seu dia a dia. Segundo a psiquiatra, alguns sintomas claros de que há algo errado são: tristeza intensa e constante, alterações de apetite, dificuldades para dormir e ansiedade tão forte que dificulta a realização de atividades. Se pessoa estiver recorrendo a substâncias como álcool ou drogas para lidar com emoções negativas, isso também pode ser sinal de que ela deve buscar ajuda.
2 – Mantenha contato com quem ficou…
“O contato com a família no Brasil é uma fonte de suporte”, reconhece Beatriz. Por isso, caso o intercambista esteja se sentindo muito sozinho, manter contato com os parentes por meio de mensagens ou ligações pode ser uma boa ideia. Por outro lado, também é importante que esse contato não seja tão intenso a ponto de prejudicar a viagem.
3 – …Mas tente criar uma nova rede por lá
“Por mais que o contato com a família ajude, você também tem que criar uma nova rede”, acrescenta Beatriz. Afinal, parte da experiência do intercâmbio é conhecer outras pessoas e fazer novas amizades — por mais difícil que isso possa parecer no começo. Algo que pode ajudar é encontrar pessoas que estejam passando por situações parecidas, como intercambistas de outros países, ou conectar-se a outras pessoas por meio de atividades que você gosta.
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4 – Faça atividades de que você gosta
Se há algo que você curte fazer no Brasil, tente fazer isso durante o intercâmbio também! Envolver-se com grupos de música e esporte pode ser uma ótima maneira para pessoas que não dominam bem o idioma do país fazerem amizade. Para quem já se comunica melhor, teatro, literatura e filmes também podem ser oportunidades de criar novos contatos. “Nos Estados Unidos, por exemplo, tem clubes de interesse para tudo nas escolas”, brinca Beatriz.
Para quem gosta de estudar, mergulhar nos estudos pode ser outra opção. Criar grupos de estudo com outros alunos, intercambistas ou não, também pode ajudar a pessoa a se inserir no novo país. Mas é importante ter em mente que os estudos também podem ser um fator que gera ansiedade — especialmente se o intercambista estiver com dificuldade de acompanhar. Nesse caso, é melhor buscar conectar-se por meio de outras atividades.
5 – Envolva-se com o seu país de destino
Passeios turísticos pelo local onde o intercambista está também podem ser uma atividade interessante para ajudá-lo a se envolver com o local. E se ele conhecer outros intercambistas que também estejam dispostos a descobrir mais sobre o lugar onde estão ficando, esses passeios podem ajudar a criar laços de amizade. Visitar locais históricos, museus, parques, reservas ecológicas e outras atrações turísticas são, nesse caso, uma maneira de se conectar não apenas ao país de destino, mas também a outras pessoas.
6 – Mantenha um diário de viagem
Para quem gosta de escrever, uma atitude que pode ajudar a cuidar da saúde mental é escrever um diário. Registrar as coisas positivas e negativas que estão acontecendo na viagem pode, de acordo com Beatriz, “ajudar a processar as emoções”. Além disso, o diário também pode ser, no futuro, um documento interessante para o intercambista revisitar.
7 – Cuide da sua saúde de maneira geral
É claro que o intercâmbio é uma situação que pode exigir cuidados específicos com a saúde mental. Mas há cuidados mais gerais com a saúde mental durante o intercâmbio que também não podem ser deixados de lado. Segundo Beatriz, esses cuidados incluem alimentar-se bem, dormir bem, fazer atividades de que gosta e passar ao menos um pouco de tempo ao ar livre.
Depois do intercâmbio
Pode parecer estranho, mas a experiência do intercâmbio não acaba quando você volta ao seu país de origem. “É difícil voltar”, diz Beatriz, meio brincando, meio a sério. Nas palavras dela, “Quando você volta, você está diferente, as pessoas estão diferentes, e elas estão seguindo uma vida diferente e independente de você. E além disso, você também sente falta da vida que construiu lá”, ressalta.
Por isso, ela recomenda que o intercambista esteja preparado para esse pequeno “choque” ao voltar. Naturalmente, é algo mais simples do que se adaptar a um país desconhecido. Mesmo assim, readaptar-se ao seu país de origem também exige um esforço que não pode ser desprezado.
Ao passar por esses processos, no entanto, Beatriz considera que o intercambista se desenvolve. Ele torna-se uma pessoa mais capaz de se adaptar a situações diferentes, e com isso, cada processo de adaptação pelo qual ele precisar passar no futuro acabará sendo um pouco mais fácil. Nesse sentido, ela acredita que pode ser benéfico pensar nessas situações como uma espécie de “exercício” de desenvolvimento pessoal.
E na visão da psiquiatra, esses “exercícios” sempre trazem algo de positivo. Ela própria considera que “gostaria de fazer intercâmbio mais vezes, apesar das dificuldades”. “Esses momentos, mesmo de estresse, geram uma oportunidade de crescimento enorme, não só acadêmico e profissional, mas pessoal também. Eles abrem sua cabeça. Vale a pena, mesmo com as dificuldades”, conclui.