O que faz uma universidade ser boa para pessoas LGBT?
28 de junho é o Dia Internacional do Orgulho LGBT. A data rememora uma manifestação ocorrida no bar Stonewall Inn, um bar até hoje frequentado por pessoas LGBT, que sofria constantes batidas policiais. Em 28 de junho de 1969, os frequentadores reagiram contra a perseguição. O levante durou duas noites e, no ano seguinte, em 1 de julho, a primeira parada do orgulho LGB+ aconteceu para lembrar a data.
Desde então, avanços importantes contra o preconceito e a discriminação de pessoas LGBT aconteceram. Ainda assim, de acordo com a ONU, 72 países ainda têm leis que criminalizam relações homossexuais e expressões de gênero. E o Brasil, ainda hoje, é o país que mais mata pessoas transexuais. Nesse contexto, o Dia do Orgulho LGBT é uma data importante de resistência e celebração de identidade.
As universidades não são entidades separadas da sociedade em que se incluem, e por isso com frequência acabam reproduzindo as situações opressivas que as pessoas LGBT ainda enfrentam em algumas situações. Ainda assim, como parte de sua contribução para a sociedade, têm a obrigação de identificar e lutar contra essas situações. Mas como podem fazer isso?
Universidades “LGBTQ+ friendly”
Um estudo feito em 2018 nos EUA com mais de 10.000 estudantes de ensino superior que se identificavam como LGBT deu algumas indicações. 40% dos respondentes relataram não se sentirem plenamente aceitos pelas comunidades de suas escolas, e isso ressaltou a necessidade de focar especificamente em mecanismos para a inclusão desses estudantes.
Alguns sites, como o College Choice, o Best Colleges e Affordable Colleges Online elaboram listas as universidades mais inclusivas para pessoas LGBT. Para elaborar essas listas, os sites usam critérios como:
- A universidade tem um centro de apoio para pessoas LGBT?
- Esse centro é dirigido por pessoas LGBT?
- Há clubes, organizações estudantis e eventos para essa população na universidade?
- Há bolsas ou outros recursos de auxílio financeiro para pessoas LGBT?
Além desses critérios, há outros fatores que podem indicar que uma universidade é boa para pessoas LGBT. Por exemplo: há políticas claras anti-discriminação? Elas são efetivas, ou existem apenas em texto? Outro fator que é avaliado é o “gender-inclusive housing (GIH)”, algo como “habitação inclusiva de gênero”: as universidades que têm GIH são as que permitem que pessoas de diversas expressões de gênero morem juntas. Algumas universidades que aparecem em posições de destaque nos rankings são o MIT, a UCLA, Rutgers University, Tufts University, e a University of Pennsylvania.
Outro recurso semelhante é o Campus Pride Index, um índice criado pela organização LGBT Campus Pride que destaca as universidades mais inclusivas para esses alunos. O índice usa 50 perguntas, às quais as próprias universidades respondem, para avaliar oito fatores de inclusão LGBT:
- Políticas de inclusão;
- Apoio e comprometimento institucional;
- Vida acadêmica;
- Vida estudantil;
- Residências estudantis;
- Segurança do campus;
- Aconselhamento e saúde; e
- Recrutamento e esforços de retenção.
Em outras palavras: além de demonstrar respeito, em nível institucional, à diversidade de orientações sexuais, as universidades também precisam permitir que uma comunidade LGBT se desenvolva nelas. Ou seja: a existência de núcleos e coletivos LGBT e a promoção de festas, eventos e palestras voltadas para esse público e essa temática também são importantes nessa avaliação.
A vivência LGBTQ+ nas universidades
Universidades que pontuem bem com relação têm maior probabilidade de acolher bem pessoas LGBT. Esse acolhimento é importante não apenas para que a pessoa aproveite o aprendizado de seu curso, mas para concretizar o potencial maior da universidade, que é permitir que as pessoas se desenvolvam da maneira que desejam e se tornem as pessoas que querem ser.
A bióloga Thaila Santos, graduada na Universidade Federal da Bahia e cursando atualmente o doutorado na Universidade Federal de Feira de Santana, conta que a entrada na universidade foi um momento de ampliação dos horizontes. Ela própria só se sentiu à vontade para se relacionar com pessoas da mesma expressão de gênero a partir da universidade. “Muitas das minhas amigas e amigos gays encontraram, ao entrar na universidade, a oportunidade de formar novos círculos sociais em que elas podiam ser quem queriam ser, e a partir daí construir sua identidade de forma mais livre”, diz.
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Na visão dela, “A vivência na universidade leva as pessoas para outro vínculo social, e isso abre espaço para que ela se forme como pessoa”. Por isso, ela acredita que o ambiente universitário precisa proporcionar esse contato entre as pessoas para ser mais inclusivo. “Muitas pessoas que se identificam como LGBT muito cedo sofrem muita pressão da família ou dos círculos sociais em que convivem, e isso, e na universidade você conhece pessoas que não passaram por isso. Então você começa a se enxergar como uma pessoa comum dentro da sociedade, entender que existem pessoas diversas, que a orientação sexual é uma dessas diversidades, e tudo bem”, diz.
Visibilidade LGBTQ+
Esse contato é ainda mais importante num cenário em que relações afetivas entre pessoas da mesma expressão de gênero causam estranhamento — mesmo na universidade. Guilherme Bizelli, odontologista graduado na UNESP de Araçatuba, diz que embora os cursos tivessem muitoas pessoas LGBT, “a nossa visibilidade ainda era pequena” quando ele entrou no curso, em 2010. “Lembro do caso específico de uma recepção de calouros em que um amigo meu beijou um cara, e isso teve uma repercussão enorme, com todos aqueles tipos de julgamento que você sabe que existem”.
Marcelo Seabra, estudante, cursou Direito na PUC-SP entre 2008 e 2013, e conta que o curso, na época, não era muito receptivo a pessoas LGBTQ+. “Na minha época era impensável eu beijar um cara numa festa da PUC”, lembra. Atualmente, ele estuda na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo, e conta que se sente “muito à vontade” no ambiente. “Tem bastante casais LGBTs juntos em festas, fora de festas e durante o dia também, e nunca vi casos de homofobia”, relata. Mas ele acha importante ressaltar que estudou nas duas universidades em cursos diferentes, e em momentos diferentes.
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Ainda assim, Marcelo considera que o ambiente da PUC-SP vem se tornando mais inclusivo nos últimos anos. “Hoje em dia eu sei que nas festas de faculdade [da PUC] já é mais comum ver casais gays se beijando”, diz. Guilherme também considera que o ambiente da UNESP melhorou ao longo dos anos. “Quando eu fui saindo do curso, em 2015, 2016, a gente já tinha um pouco mais de visibilidade”.
Perguntamos aos nossos leitores: o que faz uma universidade ser boa para pessoas LGBTQIA+?
“Promover um ambiente integrativo, começando por espaços de debates sobre a temática dentro das diversas áreas de atuação.”
Ana Cássia Batista, estudante de Biologia;
“É boa quando isso nem precisa ser lembrado de tão comum que é para todos”
L.V., estudante de Marketing;
“As universidades precisam trabalhar esse tema com os professores. Precisam de palestras, precisam trazer pessoas que possam falar sobre diversidade no mercado de trabalho. Incentivar projetos com ONGs e lugares de inclusão. Celebrar a diversidade com alunos e professores. Acho que o importante é sempre nos encontramos e termos bons modelos de exemplo. Como pessoas lgbtq+ podem imaginar seu futuro nas empresas se nem em sala de aula se sentem representadas? E, é claro, punir aqueles que se recusam a ter empatia. As pessoas sofrem demais por apenas existirem. Até quando?”
Pedro Ferreira, estudante de Publicidade e Propaganda;
“Acredito que qualquer ambiente, seja corporativo ou educacional, precisa demonstrar apoio a causas lgbtqi+ a partir de manifestações em materiais de acesso aos estudantes/profissionais, onde fica estabelecida a intolerância com qualquer tipo de discriminação, alem da inclusão de pessoas nesse espaço a partir de um recorte de privilégios, um incentivo no qual pessoas trans, por exemplo, se sintam motivadas e reconhecidas nesses ambientes.”
Matheus Morais, aluno de Turismo;
“O debate precisa ser interseccional e começa no próprio processo de seleção: algumas universidades no Brasil aderiram às cotas para pessoas trans, por exemplo. Além disso, as universidades precisam garantir a permanência das pessoas LGBTQ+, com políticas de assistência financeira, por exemplo, para as pessoas em situação de vulnerabilidade econômica. Com o treinamento adequado para professores e outros funcionários da universidade, é possível garantir que as pessoas LGBTQ+ se sintam acolhidas simbolicamente; a infraestrutura também deve ser adequada, como os banheiros que respeitem as identidades de gênero de todas as pessoas.”
Renan Santos, estudante de Políticas Públicas;
“Assim como para outras minorias, acredito que poderia ter um comitê onde eles cuidem da gente. Eu nunca passei por nenhum tipo de preconceito na universidade, apenas em escola. Em escola, acredito que o sistema anti-bullying deveria ser mais rigoroso. Como universidade é algo mais “aberto”, eu acredito que comitê onde as minorias podem ir e vir seria bacana. Talvez existir matérias obrigatórias sobre minorias em geral seria uma boa também. Mas bem talvez mesmo. Afinal, temos aulas de religião em alguns lugares, por que não ter aula sobre como tratar alguém adequadamente?”
Bruno Leles, estudante de arquitetura.